segunda-feira, 19 de maio de 2008

China - De Xi'an a Chengdu

A primeira viagem de trem na China a gente nunca esquece e muito menos a segunda...mas vamos lá, começando pela primeira. Pegamos um trem de Beijing para Xi’an, uma cidade na região central do país. Foram 12 horas até que tranqüilas, nossa cabine tinha seis camas, chamadas “hard sleepers” (camas duras), preço bom e nem eram tão duras assim. Curtimos a viagem e nem vimos o tempo passar.

Xi’an é interessante por ser uma cidade murada, apesar de ter crescido absurdamente nos últimos tempos, conserva os muros originais que a cercavam antigamente. O dia-a-dia difícil de se acostumar é o mesmo, uma média de duas buzinadas por segundo e uma escarrada a cada 3 segundos. Não é reclamar nem julgar, é constatar que esse é um costume que de certa forma nos incomoda. Acontece simplesmente a toda hora.

Ás vezes parece até brincadeira. A pessoa espera passar bem do seu lado e puxa com toda força da alma aquele catarro fazendo o máximo de barulho possível, cospe no chão, olha pro escarro pra conferir sua produção e depois olha pra você como quem quer uma opinião. Aaaarrrrgggg, inacreditável, e a cada 3 segundos.
Os chineses em geral não sentam no chão por que o acham sujo. Agora vem a dúvida. Eles cospem tanto por que o acham sujo ou o acham sujo de tanto que eles cospem?


Tivemos um bom exemplo disso na casa da Nancy, americana, professora de inglês que nos hospedou por alguns dias.Ela reuniu um grupo de seus alunos universitários para um encontro conosco e com um casal de ciclistas franceses que ela também estava hospedando.


O encontro foi ótimo, falamos da nossa viagem, escolhas de vida e do esforço para tornar os sonhos possíveis. Os franceses também colaboraram com suas histórias de quase dois anos de estrada. Saíram da França, pedalaram toda a Europa, Rússia, Mongólia e agora China. Ela hospeda muita gente e sempre promove esses encontros para que seus alunos pratiquem inglês e abram a cabeça para o mundo. O problema foi na hora de reunir a galera para registrar o momento, era muita gente e só caberia todo mundo na foto se alguns se sentassem no chão, já viu a dificuldade né...

Bem, desbravando Xi’an, que é famosa pelos guerreiros de Terracota. São milhares de soldados de tamanho humano, com fisionomias diferentes que foram encontrados no subterrâneo na década de 70. Obra do Imperador Quin Shi Huang que segundo pesquisadores mandou construir um exército gigante para acompanhá-lo depois de sua morte.
O cara não parou por aí, ele também foi o responsável pela unificação da China e criação de uma moeda e idioma comuns a todos que estavam sob seu comando. Ou seja, além de mandar construir uma loucura dessas e estabelecer o mandarim (mais de 3000 caracteres só pra ler um jornal) foi um dos que mais colaboraram com o aumento da Grande Muralha. É, mas a fama dele não é das melhores porque foi também um grande tirano, queimando livros e oprimindo muita gente.

Outra peculiaridade da China que é muito evidente em Xi’an é a falta de fraldas. Isso mesmo, bebê por aqui não usa fralda. Todos andam com umas roupas com uma abertura no meio das pernas e fazem o que tem que fazer onde estiverem. Não sabemos como as mães adivinham o momento exato, mas o fato é que presenciamos muitos bebês se aliviando nas calçadas e as mamães segurando, mas nunca nenhuma mãe mijada. Agora como isso é possível permanece um mistério.

De Xi’an para Chengdu, agora é que o negócio pegou mesmo. Apesar de termos comprado o ticket com bastante antecedência só conseguimos lugar nos “hard seats” (acentos duros). Acho que foram as piores 16 horas de toda a viagem. O banco não reclinava, não dava para dobrar as pernas, não dava pra mexer nada, mal dava pra respirar. Muita gente, gente pelo chão, por todos os lados se amontoando. Mas enfim chegamos ao nosso destino, a capital da comida apimentada na China.

E põe pimenta nisso, dá uma olhadinha na sopa de noodle, não, esse vermelhinho definitivamente não é tomate. Novamente aqui muito cuidado com o que se come, não só por causa da pimenta. Teve uma noite que chegamos famintos a um restaurante e pedimos pela foto a primeira comida que vimos. Depois de provar e não reconhecer o gosto começou a sessão desenho (principal forma de comunicação para nós na China). E o medo de ser carne de cachorro, não estávamos preparados psicologicamente para isso. Após muito esforço conseguimos descobrir que era carne de ovelha, que alívio.

Depois disso aprendemos a sempre perguntar antes de comer e aprimoramos nosso vocabulário com a expressão bù yào là jao, que significa sem pimenta, mas que talvez seja entendida em Chengdu como um pouco menos de pimenta para que se torne comível. Mas não tem jeito, sempre se sai dos restaurantes com a boca dormente. Se preferir pode comer na rua ao ar livre. As opções são cabeça de pato, cabeça de coelho, focinho de porco e cobra.

Os parques ficam cheios de praticantes de Taichi e idosos que passam horas na jogatina, dançando ou cantando. Vimos várias pessoas com uns instrumentos na orelha dos outros e pensamos, meu Deus, será que essa gente não tem cotonete em casa? Será que vêm pro parque pra limpar as orelhas? Só depois soubemos que não se trata de limpeza e sim de massagem auricular, mas aí era tarde demais para experimentar. Como será a sensação de uma massagem de orelha?


Em Lèshãn, uma cidade próxima, fomos conhecer o maior Buda do mundo. Muito bonito com seus 70 metros esculpido na pedra às margens de um rio. Só conseguimos ver o Giga Buda de cima porque pra vê-lo de baixo era preciso encarar mais de três horas de espera. A gente não deu sorte. As coisas para se fazer na China já são naturalmente lotadas e ainda fomos visitar o Buda Gigante e os Guerreiros de Terracota em feriados.É muita gente!!!

O último dia foi legal pois fomos a uma reserva de ursos-pandas. Lá são realizadas pesquisas na tentativa de não deixar entrar em extinção essa espécie tão especial. Eles não param de comer, deitados de barriga pra cima, esparramados no meio dos bambus, é olhar e pensar: só falta a tv e a garrafa de coca-cola, ô preguiça. São lindos, pena que restam tão poucos.

E quanto ao Tibet não teve jeito mesmo. Esperamos até 1 de maio devido aos rumores de que provavelmente o governo chinês daria permissão para estrangeiros entrarem na região a partir dessa data. Que nada, ta fechado e provavelmente fique assim até as Olimpíadas. O pior é que ninguém diz por quê. Se o assunto é Tibet ninguém sabe de nada, é meio que um tabu falar disso na China, além da informação que circula por lá ser totalmente manipulada. Ninguém fala que o governo chinês explora essa região tirando de lá grande parte de suas riquezas e que é um dos grandes responsáveis pela deterioração de uma das culturas mais ricas do mundo.

E principalmente, ninguém fala que tem gente morrendo em conflitos por lá. Não é a toa que por nas redondezas da China há vários campos de refugiados tibetanos. Mas muito cuidado, uma bandeirinha de “Free Tibet” ou algo parecido pode ser considerado ato terrorista.
Ficamos muito tristes, pois havíamos planejado e gostaríamos muito de ir para lá. Talvez na próxima oportunidade que tenhamos mais coisas já tenham sido perdidas, tomara que não.

Nos despedimos da China e rumamos para o Nepal. Saímos de Chengdu, capital da província de Sichuan poucos dias antes do terremoto. Dessa vez escapamos por pouco, estávamos justamente na região em que morreram mais de 20 mil pessoas (até onde sabemos) no mês de maio. Ficamos chocados com a notícia do que houve e que poderia ter acontecido com a gente.
Foram quase 20 dias de experiências intensas, para lembrar, para rir, para pensar e pelo menos não repetir ou tentar mudar.

4 comentários:

Mari Mendoza disse...

Olá queridos! O blog continua incrível! Tenho que dizer que senti falta da leitura neste tempo em que vocês passaram sem atualizar. Aliás... garanto que meio mundo ficou preocupado com a noticia do terremoto na China e a falta de notícias de vocês. Era inevitável não se preocupar sabendo que vocês estavam, ou havia estado, ali. Graças a Deus vocês estão bem!! As fotos estão ótimas. Sobre aquelas crianças sem fraldas, minha tia foi à China ano passado e me contou isso. Eu não conseguia acreditar!! Mas há algum sistema de limpeza das ruas, para recolher toda a sujeirada?!? Um beijo grande e se cuidem, Mari.

Unknown disse...

Opa! Depois da bronca um post completinho... hehehehe...
Eu (e as outras pessoas) fiquei realmente preocupado com o lance do terremoto. Por sorte vcs sairam a tempo. Pena também que vcs nao poderao ajudar. Enfim....
Só um comentário que até ja fiz antes mas acabou não sendo enviado: aqui em Manaus as buzinas e os cuspes são IDÊNTICOS! PEM = porque é Manaus! hahaha Só o cocô que a gente aqui tá devendo.

Abração pra vcs e vejam se dão notícias com mais velocidade se acontecer alguma coisa parecida com um terremoto, tá?

Augusto Cavalcanti e Aline Grill disse...

Como a gente tava no meio de um treking so ficamos sabendo do terremoto quando consegimos abrir a net e ver que tinham varias mensagens perguntando se estavamos bem. Em alguns lugares ficamos isolados e as noticias demoram pra chegar.

Augusto

Augusto Cavalcanti e Aline Grill disse...

Oie!!
Mari, que sistema de limpeza que nada, pra eles chao e pra essas coisas mesmo, hehe.
Eduardo, nao sabia que em Manaus era assim tambem. E claro que existem esses casos em toda parte, mas tao intenso assim, hehe, talvez so por algumas bandas.
Obrigada por acompanharem e participarem do blog. Sempre que d'a a gente corre para atualizar. Um grande beijo!!
Aline