quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Da tangerina ao chocolate do Marrocos

Depois de rodarmos por quase 1 mês e meio na Europa tudo começou a ficar muito parecido e de certa forma o frio que tanto procuramos passou a nos limitar bastante. Resolvemos então dar novos ares às nossas andanças e colocar em prática um plano que estava ficando meio de lado. “Vamos para o Marrocos”, voltar às loucuras e confusões. No noroeste da África, um país árabe, que foi colonizado pela França e com grande influência espanhola. Dá pra ter uma noção da mistura?

Pra chegar lá foi um pouco complicado. Em Milão nevava demais e justamente quando estávamos dentro do avião acabaram cancelando todos os vôos por causa do mal tempo. Resultado... tivemos que passar duas agradáveis noites esperando o próximo vôo no aeroporto.

Enfim, aterrizamos na exótica e monocromática Marrakech, uma das principais cidades marroquinas.


Marrakech atrai não somente os turistas europeus, mas também muitas pessoas que vivem em outras partes do país, procurando fazer compras nos mercados-labirintos e principalmente entretenimento na praça central da medina (cidade medieval) Djemaa el-Fna.

Essa praça sim é algo extraordinário. Um grande espetáculo onde centenas de pessoas se aglomeram ao fim de tarde para comer na farta e agitada feira de comidas típicas que é montada todos os dias e para escutar os engraçados contadores de histórias, encantadores de cobras, músicos e vendedores de remédios milagrosos. É um verdadeiro caos de sons e de cheiros onde tem gente tentando fazer qualquer coisa pra levantar uma grana.


Uma coisa que eu (Augusto) nunca esperava ver no Marrocos (ignorância!) era neve. Logo que se chega em Marrakech o visual por trás da cidade é uma bela cadeia de montanhas nevadas e que possui até estações de esqui. Pois é, tava frio lá também! Eu achava que tinha virado profissional em mapas e em nos guiar, mas lá a única saída foi esquecer o senso de direção e colocar em prática minhas habilidades poliglóticas adquiridas ao longo da viagem (misturando francês, espanhol, português, árabe e inglês) e sair perguntando como se chegava aos lugares.

A gente se perdia o tempo todo nas ruas da cidade, sempre cheias de homens que se vestem como os "Sand people" dos Star Wars com sapatilhas de couro, capas e um capuz pontudo enquanto as mulheres como em todos os países árabes andam tapadas com lenços cobrindo a cabeça e o rosto. Entretanto, dos países islâmicos nos quais estivemos o Marrocos nos pareceu um dos mais liberais, com muitas mulheres nas ruas, algumas até andando descobertas, além de conviverem harmonicamente com uns poucos judeus e cristãos.


O Marrocos foi uma salvação pras nossas barrigas hehehehe. Na Europa, paga-se muito caro pra se comer bem e lá nosso orçamento acabou se refletindo na qualidade da nossa alimentação. Pelo mesmo preço de um sanduba meia boca europeu a gente comia um delicioso ensopado ou cuscuz de frango com vegetais (Tagine du Pullet e Couscous du Pullet) ou então um misto de porções de sardinhas fritas, batatas, azeitonas, berinjelas e de feijão, sob o olhar atento dos gatos que como no Egito dominam as ruas.

Tudo sempre acompanhado do tradicional pão achatado marroquino que eles utilizam pra pegar a comida, uma vez que lá não se usam talheres. É, mas Marrakech também pode ser traiçoeira. Por toda parte tem os espertinhos querendo passar a perna nos gringos e muitos assaltantes.

Dessa vez quase nos roubaram a máquina fotográfica de novo. Um safado tentou puxar a cordinha da máquina do bolso da Aline que por sorte estava presa ao dedo dela, o sujeito foi tão cara de pau que ainda saiu andando e olhando pra mim com uma cara de deboche. Não teve outra, levou um soco e quando ele tentou correr dei uma rasteira que o vagabundo acabou caindo, mas terminou por aí afinal estávamos com a máquina e não queria arrumar confusão.

Também fomos a uma feira onde pode-se encontrar de tudo, inclusive muitos produtos estrangeiros que certamente foram roubados dos quartos dos hotéis (um grande problema por aqui). De Marrakech decidimos acompanhar as montanhas Atlas e seguir rumo a Azilau, uma pequena cidade no caminho para Fés e que tem uma cachoeira de 100 metros. Me levantei muito cedo, mas como estava fora de temporada não consegui transporte a tempo de ir à cachoeira e acabei dando uma volta pela cidade.

No fundo acho que acabou sendo mais interessante me sentar com os locais para um café da manhã e subir uma montanha que proporcionou visuais belíssimos. Depois de mais de 8 horas de ônibus chegamos à Fés, a maior medina ativa do mundo.

Um verdadeiro labirinto de ruas estreitas com milhares de pequenas lojas brotando dos muros, onde os únicos meios de transporte que podem e cabem nas ruas são burros e cavalos. São prédios colados em prédios com as paredes sendo sustentadas por armações de madeira para não desabarem, tudo desorganizado, portas e janelas das casas como rústicos portais medievais e no meio de toda a bagunça uma escolinha primária. Deve ser bem difícil aprender algo por ali. Fés realmente nos surpreendeu.
A cidade também é muito famosa por seus trabalhos de mosaicos e pelos curtumes onde se tratam e comercializam artigos de couro que são encontrados em todo o Marrocos.


Seguindo rumo à costa fomos para Rabat, a capital do país. Tudo diferente, uma cidade ampla, mais organizada, com prédios imponentes e avenidas largas.

Nas ruas marroquinas vimos bastante mendigos e pedintes, principalmente idosos além da quantidade impressionante de cegos. Não conseguimos descobrir o porquê de tantos cegos no Marrocos e se alguém souber pode nos dizer!

Assim como o grande número de roubos, essas são algumas seqüelas de um dos maiores problemas que o país enfrenta, o desemprego. Na capital Rabat assistimos diversas manifestações organizadas em frente ao parlamento contra a falta de empregos bem como sobre a causa palestina e apesar dos ativistas que gritavam fervorosos contra Mc Donalds e Coca-cola tudo terminou em paz.

De lá para Asilah uma pequena cidade de veraneio que tem uma medina bastante especial à beira do oceano atlântico, toda bem cuidada com os muros pintados de azul e branco e com várias galerias de jóias e artes. Onde é que se ande muitas pessoas te oferecem chocolate. “Quieres chocolate de loco?” como nos abordou um.

Pois é, o tal do chocolate, também chamado de haxixe é um dos produtos mais comercializados no Marrocos. O consumo é proibido, mas mesmo assim muitas pessoas de todas as idades e classes sociais comercializam ou fumam tranquilamente com seus cachimbinhos sentados para prosear em frente aos cafés.

Fomos então para nosso último destino no Marrocos, Tanger a cidade mais próxima da Europa. De vez em quando a gente chega a algumas conclusões meio bestas, mas que são legais. Me lembrei do blog do Leo (que nos acompanha aqui no blog) falando quando descobriu o porque das cidades da Tailândia começarem com Chiang (significa cidade em tailandês).

Em todo o Marrocos as árvores mais características são as mexiricas (bergamotas), bonitas, todas carregadas, mas de uma qualidade que não dá pra comer de tão azeda. E só depois de chegar a Tanger acabamos sabendo que quem nasce lá é tangerino. Daí vem o nome da frutinha alaranjada que a gente gosta tanto aí no Brasil.

E antes de ir embora acabamos virando adeptos de um dos mais tradicionais costumes marroquinos, tomar chá com menta num dos inúmeros cafés espalhados pelas cidades. Sentamos no antigo Café Hafa de frente para o Estreito de Gibraltar e vendo a Espanha do outro lado passamos um tempo refletindo como uma faixa de apenas 14 quilômetros é uma barreira econômica, religiosa, lingüística e cultural tão grande, e que separa mundos tão diferentes.

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Se embrenhando Europa adentro

Berlim, uma cidade que certamente exige um bom tempo para ser compreendida, decifrada. Levar em consideração tudo que se passou por aqui para entender como as coisas se transformaram no que são hoje. Infelizmente tempo não é algo de que dispomos, não tanto pelo tempo em si, mas pela questão da grana.

Se bem que em comparação com as outras capitais da Europa Berlim até agora foi a mais barata pela qual passamos (cerveja por 60 centavos). A capital da Alemanha, que já teve importância em tempos de guerra, que já foi realmente e inteiramente dividida por um muro e compartilhou dois sistemas, ultimamente é rica em arte, artistas e famosa por sua vida noturna.

Ficamos hospedados na casa do Arno, no lado leste da cidade e foi por lá que concentramos nossas andanças. Após alguns dias foi possível perceber que esse é o lado mais popular, mais turístico, com os museus, bares, clubs undergrounds de música eletrônica e tudo mais. O lado oeste é mais sofisticado e administrativo, o muro foi parcialmente derrubado, mas ainda existe uma séria diferença entre as Berlins de cada lado.

Há uma atmosfera própria e única, difícil de descrever, deve ser a cidade mais pichada do mundo, as pessoas bebem muito, em casa, nos bares, no metro, ah e sem esquecer que foi a maior concentração de parques de diversões que já presenciamos. Em Berlim nosso Europass (bilhete de ônibus) expirou, acabou mesmo e tivemos que pensar em um novo jeito de viajar. Os ônibus estavam completamente lotados para as próximas semanas já que era época de festas e o preço de aviões e trens nem se fala.

Confesso que botar o dedão e pedir carona chegou a passar pela nossa cabeça só que com esse frio ficamos com medo de congelar nas estradas. Foi então que descobrimos algo que funciona super bem principalmente na Alemanha, se chama car pool. Nada mais é do que rachar a grana da gasolina. É assim: quem tem carro e vai viajar coloca os dados na internet e quem tiver interesse liga e agenda, o site é: www.mitfahrgelegenheit.de

Queríamos sair de Berlim e ir até Praga, no entanto só encontramos car pool até Dresden, que fica mais ou menos no meio do caminho. Uma das cidades mais bombardeadas durante a segunda guerra, que chegou a encabeçar a lista do teste da bomba atômica e se não fosse pelo ataque do Japão a Pearl Harbor com certeza não estaria mais no mapa.

Hoje a cidade está parcialmente recuperada, alguns prédios na parte central acabaram de ser reconstruídos há apenas alguns meses. O que era pra ser uma passagem rápida acabou se estendendo por 3 dias. Joycie nossa couchsurfer nos convidou para passar o Natal com ela e seus amigos e é claro que a gente aceitou.

E foi assim a nossa noite natalina, após um mês de preparação intensa passando por diversos mercados de Natal e muito vinho quente depois, finalmente chegou a grande noite, com direito a peru, sobremesa que a gente fez e cerveja gelando do lado de fora da casa, ho ho ho.

Partimos então para Praga, uma das cidades mais lindas, com a arquitetura das mais impressionantes por onde já passamos. Uma pena que seja dado tanto enfoque ao turismo, tem vezes que parece uma procissão de turistas passando palas mesmas ruas e praças, fazendo as mesmas coisas, a gente queria conferir um concerto de música clássica, mas com esses preços não teve como.

Foi rateada nossa, não verificamos direito nossas respostas de pedidos para hospedagem e deixamos passar a oportunidade de ficar na casa de algum local, com certeza Praga deve ser bem mais que o que parece quando se sai do trajeto clássico. Nem por isso é claro deixamos de experimentar e nos deliciar com as cervejas tchecas, consideradas as melhores do mundo, inclusive a verdadeira e autêntica Budwiser (pilsener), não a americana falcatrua com o mesmo nome.

De Praga para Viena e lá uma sensação estranha, apesar de a cidade ser belíssima (linda mesmo), a impressão que tivemos foi a de que tudo estava de alguma maneira se repetindo, tudo muito certinho de mais, pode? Acho que bateu uma saudade dos tempos da Ásia. Felizmente encontramos a Sarah no nosso caminho, uma guria super gente boa que nos hospedou e nos levou pra cima e pra baixo nos mostrando tudo, o Castelo e seus jardins, os prédios de Arte Nuveau e a night vienense.

Chegamos a Budapeste uma noite antes do Ano Novo, queríamos ter um tempinho pra conhecer a cidade antes de nos prepararmos para a nossa festa. Ficaríamos uma noite hospedados na casa de uma couchsurfer e as demais num albergue por opção nossa.

A gente não tinha a menor noção do que estava a nossa espera. Chegamos à casa da menina já era tarde, tudo certo como de costume. Ela foi simpática e atenciosa, conversamos um pouco, ela nos disse que morava com mais duas pessoas, mas que provavelmente não os conheceríamos já que eles haviam saído com amigos e talvez só voltassem no outro dia. Lá pelas tantas chega uma gurizada em casa, bem jovens, tipo uns vinte anos. Eu (Aline) estava concentrada na internet pesquisando passagens de volta ao Brasil, apenas cumprimentei-os e continuei atenta ao que eu estava fazendo.

Em seguida eles começaram a convidar insistentemente a gente para sair. Eu disse pro Preto que eu estava bem cansada e queria poupar minhas energias para o réveillon, mas sugeri e até insisti com ele para que ele fosse, pois sabia que ele não estava cansado. No final não entendi porque ele estava tão tenso e relutante em dizer que não. Era uma da manhã quando eles saíram e a gente foi deitar. Perguntei pro Preto por que ele não quis sair e a resposta foi “tu não viu?” e eu lá com aquela cara de quem não sabe o que está acontecendo. Daí finalmente ele me explicou. Disse que os guris estavam com um bracelete com o símbolo da suástica passando de um em um rindo e tirando fotos.

Bah, por essa a gente não esperava, se deparar assim com neonazistas, quando realizei falei “vamos embora daqui agora, sabe-se lá o que se passa na cabeça dessas pessoas”. Daí o Preto me tranqüilizou, para onde a gente iria no meio da madrugada, sem reserva em época de ano novo, temperatura negativa lá fora. A guria que nos hospedou era legal, tinha muitas referências positivas na sua página do couchsurfer e não tinha nada a ver com os outros, inclusive depois ela veio se desculpar dizendo que eram apenas jovens que não tinham idéia do que aquilo realmente representa.

Mesmo assim dissemos para ela que ela tinha essa missão, de tentar fazer aqueles cidadãos caírem na real e mudar de atitude. Agora imagina a tensão, nós estrangeiros, cara a cara com nazis, mesmo que desse tipo. Raiou o dia e nos mandamos, dia de conhecer Budapeste e esquecer do sufoco. Já havíamos passado pela República Tcheca que é considerada Europa Oriental, mas foi na capital da Hungria que enxergamos a grande diferença entre as duas Europas. A arquitetura é belíssima como em todo o continente, algumas regiões são especialmente encantadoras, mas no quesito conservação as coisas não são bem assim.

A maior parte da cidade apesar de linda tem um aspecto bem velho, além disso vimos vários mendigos, coisa rara até então e em cada estação de metrô uma enorme concentração de bêbados e gente fazendo bagunça. Noite de Ano Novo não podia faltar lentilha e champanhe é claro.

Saímos com o pessoal do albergue para comemorar na rua lotada de gente apesar do frio (sensação térmica de 13 graus negativos) e depois com festa é claro, adeus 2008, o ano mais intenso de toda nossa vida, feliz 2009, que o que vier venha para o bem e de preferência seja especial e bem emocionante!!!

De Budapeste seguimos para Veneza na Itália, uma cidade construída entre os canais de uma ilha. É quase inacreditável que ela exista, assim toda amontoada, mas com muito charme é claro. Chegamos lá de baixo de neve, uma raridade em se tratando de Veneza e mesmo assim tudo estava lotado, fico imaginando como deve ser no carnaval ou no verão. Dizem que a quantidade de gente colabora para dificultar a manutenção da cidade, mas fazer o quê? Todo mundo quer passar por lá antes que ela afunde.

Última parada nesse post: Milão. Essa valeu, ficamos hospedados na casa do Gabriele, gente finíssima e sua família italiana de verdade com direito a polenta, risoto a milanesa e até um dog pra passear com a gente de baixo de neve na beira do rio.

A cidade em si não nos impressionou muito. Tirando o Castelo e a Catedral que o que vimos foi um verdadeiro shopping center a céu aberto com todo aquele povo fazendo fila na frente das Guccis e Pradas da vida esperando sua vez nas promoções. Definitivamente não é programa para a gente, portanto pé na estrada novamente.