segunda-feira, 23 de junho de 2008

Taj Mahaaaal...Taj Mahaaaallll

É praticamente impossível pensar na Índia e não lembrar dele. Todo mundo já viu uma foto e pensou, um dia quero ver de perto, com a gente não foi diferente. Só que o nosso dia chegou, dia de conferir o famoso Taj Mahal.
Partimos de Varanasi em direção a Agra, uma cidade cheia de história, que foi capital do país na época da dinastia Mughal, um dos períodos mais marcantes que diz respeito à Índia. Além do Taj a cidade tem um dos Fortes mais bonitos que existem, feito em arenito vermelho e mármore. Mas só ver tanta beleza sem saber como ela foi criada não tem tanta graça, o que é interessante é a história, ou a lenda como queiram.

Shah Jahan foi um imperador Mughal muito importante, em todos os museus tem muita arte relacionada ao tempo em que ele esteve no poder. Dizem que ele amava tanto sua esposa que não se conformou com a morte dela ao dar a luz ao que seria seu décimo quarto filho.

Com isso ele iniciou a construção do que é, em nossa opinião, o monumento mais bonito que vimos até agora. Além disso, ele estaria planejando construir um igualzinho, só que preto, do outro lado do rio para ele. Mas seus planos não duraram muito, pois um de seus filhos o destronou alegando que se as coisas continuassem assim o império iria à falência. Assim Shah Jahan foi preso no forte onde viveu até o fim de seus dias olhando sua obra prima somente pela janelinha.


O dia em Agra foi bem diferente para cada um de nós. Na ida para o Taj o Preto ficou com pena do velhinho motorista do rickshaw. Foi então que ele se tornou semelhante àqueles de quem ele mais reclamou nos últimos dias!! Já eu tive um dia de celebridade. Vira e mexe aqui na Ásia alguém pede para tirar uma foto junto, mas dessa vez bateu todos os recordes. Acho que porque muita gente que vem visitar o Taj Mahal vive em lugares mais remotos na Índia e talvez nunca tenha visto uma pessoa com pele e olhos claros. Tem uns engraçadinhos que pedem para fotografar abraçados, de mãos dadas, vê se pode.
Bem, que o Taj Mahal é lindo todo mundo sabe, dá pra ficar algumas horas admirando ele de fora, porque de dentro é só um salão com dois túmulos. Não tem muito o que fazer, mas a gente não conseguiu ir embora. Com vocês a nossa diversão do dia, as caras do Taj Mahal, inclusive a nossa. A final, não tem como ir lá e não querer fazer uma pose com ele ao fundo.



De Agra para Delhi, a capital do país. Aparentemente uma cidade grande semelhante a tantas outras, mas que basta um olhar levemente mais profundo para relembrar que continuamos na Índia. A região central da Nova Delhi, chamada Connaught Place distribui-se radialmente. As ruas em círculos são aparentemente normais, mas nas que ligam um círculo ao outro tudo volta a ser como era antes.

Visitamos alguns museus, entre eles o Gandhi Smriti, onde Gandhi morava antes de morrer. O lugar é super-moderno e tem registrada a última caminhada que ele deu antes de ser assassinado. Valeu a pena aprender mais sobre esse ícone da Índia, que liderou movimentos pacifistas em prol da independência do país. Mas o que valeu mesmo em Delhi no meio das burocracias que tivemos que resolver foram as coisas corriqueiras, só o fato de estar lá.

Passear pelo mercado de especiarias no meio de todos os temperos, cheiros e cores imagináveis. Castanhas, amêndoas, frutas secas...é quase impossível sair de lá. Conversamos com um indiano que nos disse porque na Índia as pessoas não usam papel higiênico e sim água que sai de uma torneirinha que tem do lado de cada sanitário (em geral do modelo em que tem que ficar de cócoras). “Porque a comida é apimentada, é tão quente que se limpar com papel pode pegar fogo” hehe. Palavras dele não nossas. É, aqui é assim, mão direita para comer, mão esquerda para limpar a bunda. Se bem que quando vemos as pessoas comendo, algumas vezes elas usam as duas mãos. É...



Outra coisa que pra nós é inusitada é ver os homens de mãos dadas andando pra lá e pra cá. Aqui é assim e ninguém vê malícia nisso, ah se fosse no Brasil...essa proximidade entre os homens não é só característica da Índia e sim de outros países asiáticos onde já passamos. Desde o Japão e China já estamos acostumados a ver cafuné, abraços apertados e por aí vai. E não tem nada a ver com homossexualismo, aliás é muito difícil ver um homossexual assumido aqui na Índia, parece que até pouco tempo atrás era proibido por lei.

Uma coisa que chama muita atenção também é a questão dos idiomas. O predominante é o hindi, só que cada região tem um específico. Além disso, a maioria fala inglês, o engraçado é que principalmente os jovens mais bem de vida falam inglês entre si ou um idioma de hindi e inglês misturado. O importante é que todo mundo se comunica.

Gostamos também de ver os coroas com seus cabelos e barbas tingidos com henna. Ninguém curte tinta por aqui, mas também não querem assumir seus brancos, no final o resultado é esse. É ou não é uma beleza esses cabelos que parecem enferrujados?!! A gente curte e se diverte.


Depois de revirar Delhi decidimos fazer um programa cultural, no jornal duas opções: a primeira uma peça que pelo que entendemos era cantada no estilo dos filmes de Bollywood. A segunda um show de dança típica com dançarinas estrangeiras que vivem na Índia. Ficamos com a primeira. Chegando lá era quase um monólogo em hindi, o pior é que a galera ria tanto que devia ser muito engraçado, pena que a gente não entendeu uma palavra. Saímos rapidinho e ainda deu tempo de pegar o outro espetáculo. Agora sim, que coisa mais linda de se ver. Músicos tradicionais tocando tabla e citar e as bailarinas dando show de coordenação acompanhando o rítimo com os pés.


Tínhamos mais 20 dias e uma Índia inteira para conhecer. Ir pro sul e encarar as monções? Não nos parecia uma boa idéia. Ir para o deserto e encarar 45 graus de temperatura ou ir para o Norte conhecer o Dalai Lama, mas ver paisagens parecidas com as do Nepal? É Dalai, pelo visto vai ficar pra próxima. Rajastão, aí vamos nós!

quinta-feira, 19 de junho de 2008

Um dia de TPM em Varanasi

Toda mulher sabe o que é porque vira e mexe acontece, todo homem sabe como é porque pelo menos alguma vez já teve que lidar com alguma mulher nessa situação, a famosa TPM. Agora imagina acordar com uma TPM das brabas no dia em que você programou todas suas atividades em Varanasi... simplesmente acordar não, acordar às 4:30 da manhã para fazer o passeio de barco que foi combinado para o nascer do sol. Madrugar assim definitivamente não combina com TPM e piora se o cara resolve aparecer só às 5:40, depois que o sol já tinha nascido e a gente já tinha ficado uma hora esperando...mas, tentar manter o controle é fundamental, a final o dia estava só começando.

TPM pelo menos pra mim tem quatro formas principais de se manifestar, geralmente irritação exacerbada (qualquer coisinha irrita), tristeza sem explicação, ansiedade e uma vontade incontrolável de comer doces (principalmente chocolate). Geralmente esses sintomas aparecem se alternando durante um dia, mas podem resolver aparecer juntos e o que é pior, podem durar mais que 24 horas. Para sorte do Preto e de todos dessa vez foi só um dia, mas veio junto com uma coisa que tarda mas não falha, o primeiro piriri na Índia. TPM de lascar + piriri indiano devastador x estar em Varanasi = SOCORRO, será que alguém sobrevive?

A seqüência do dia foi a seguinte: após o atraso do barqueiro teve o episódio que contamos no post anterior, ver o corpo em decomposição flutuando no Rio Ganges próximo das pessoas que se banhavam alheias à situação. De volta à pousada, o café da manhã veio errado (rrrrrrr). Saímos pra conhecer os principais templos da cidade que teoricamente são de graça só que ao chegar lá tem uns caras que ficam na entrada para “tomar conta” dos sapatos e exigem pagamento na saída. O que irrita não é o fato de ter que pagar e sim porque na chegada a história é uma e na saída a coisa é diferente. No próximo templo a mesma conversa. Para aumentar a fúria foi só entrar e ver vários macacos doentes e famintos que ficam por lá porque é o Templo do Deus que tem cara de macaco. Ah, porque não cobra entrada então e cuida dos macacos??

De lá fomos à estação de trem comprar nosso ticket para o próximo destino e até que enfim parecia que uma coisa boa tinha acontecido. Uma fila só para mulheres que era bem menor que as outras. Entrei na fila e vi que a categoria não era apenas mulheres e sim mulheres e deficientes. Ah fiquei de cara, uma baita demonstração de preconceito e fiquei mais de cara ainda porque olha o estilo das mulheres na fila, só com os olhinhos de fora. O pior é que até eu tenho que andar bem coberta por aqui, o negócio não é mole. Muitos homens não podem ver uma ocidental que param e ficam olhando fixamente com uns olhos arregalados que dá até medo.

Ouvi muitas histórias para tomar cuidado principalmente em Varanasi porque os caras gostam de passar a mão. O que é pior é que em algumas situações se a mulher reage com um tapa ou algo assim pode levar outro. Acontece muito com mulheres experimentando roupas ou em filas. Fiquei ressabiada quando uns caras bem vestidos furaram a fila em que eu estava e ninguém reclamou. Resolvi ficar quieta porque queria manter a minha distância de mãos bobas e porque pensei que podia ser alguma coisa relacionada com castas. Estava nos meus primeiros dias e ainda não entendia muito bem o que as castas superiores podem ou não fazer, só sei que a brabeza crescia dentro de mim.

Resolvemos dar uma volta nos artesanatos locais para esfriar a cabeça, foi só entrar e apareceu um cara que grudou. Falamos que não precisávamos de guia e ele fingiu que não escutou. Pedimos mais algumas vezes, mas ele queria era que a gente entrasse na loja dele. Eu que já estava quase surtando, respirei fundo e falei, ”meu amigo se você não nos deixar em paz agora eu vou passar pela sua loja e não vou olhar. Já pedi, agora estou avisando”. O cara continuou. Ah, nem pensei duas vezes, quando chegamos virei o rosto e passei batida. Quem mandou não respeitar a TPM alheia?!

De lá fomos ao mercado de flores, que beleza, eu estava quase relaxando. Agachei para cheirar as flores do velhinho que estava posando para nossas fotos e de repente levei um baita tapa na cabeça. Dá pra ver os dedinhos na foto. Uma mulher passou e em vez dizer que eu não deveria cheirar as flores resolveu me aprontar essa. Não foi a primeira vez que apanhei nessa viagem, aconteceu anteriormente em Xi’an na China. A gente estava num parque olhando águas dançantes, era final de tarde e eu estava cansada. Acabei adormecendo e veio um guardinha que me deu uma cutucada das fortes, machucou. Acordei meio sem saber o que estava acontecendo e quando vi o guardinha não estava mais por ali. Não que eu fosse tirar satisfação, vai saber, de repente o cara me prendia. Bem, mas quem avisa amigo é: não cheire flores na Índia e não cochile em parques na China ou pode acabar dolorido.

Resolvi dar uma caminhada sozinha para ver se desestressava e o Preto queria ver como funcionavam as cremações. Definitivamente eu não estava mais interessada assuntos fúnebres. Acontece que a gente errou o caminho e acabei chegando sozinha ao principal Ghat de cremação. Pensei comigo mesma não deve ser por acaso que vim parar aqui, vou pelo menos observar como é. Não demorou 10 segundos para aparecer um homem dizendo que eu não deveria ficar ali pois aquele era o lugar das famílias e que eu deveria subir para o lugar destinado aos turistas.

Tentativa de golpe manjado pra extorquir dinheiro das pessoas. Segui meu rumo e vi que o Preto vinha chegando lá de longe. Fiquei esperando e veio outro cara com o mesmo papo. Falei curta e grossa que ali não tinha família nenhuma, que eu não ia sair dali e que estava esperando uma pessoa. Acho que falei num tom de quem diz não me incomoda senão vou dar piti e o cara aliviou.
Na volta pra pensão era tanta gente na rua, tanta vaca, tanta buzina, tanto barulho, cheiros, cores, empurrões, poluição sonora, olfativa, visual.

Depois de um dia desses eu olhava pros lados já meio tonta e todo mundo parecia louco. Eu já não acreditava mais no que estava acontecendo e todo mundo me abordado pra vender as sedas e os saris, e as rickshaws, ahhhhhhhhhhhhhhhh!!!!!!! É de enlouquecer, dá vontade de gritar mais alto que todos e dizer to bem louca, vocês conseguiram. Ou dá vontade de mandar parar tudo e acabar com tanta bagunça. Não consegui escolher nenhuma das opções porque nesse momento o piriri foi mais forte que tudo. Achei que não ia agüentar. Suei frio e foi por pouco que consegui chegar a tempo e evitar o pior. E assim acabou meu dia de TPM em Varanasi.
Hoje acho engraçado, mas sofri. Acho que todo mundo já teve um dia desses, em que parece que um estresse puxa o outro, mas felizmente isso passa. A seguir dias de Índia mais lights...

segunda-feira, 9 de junho de 2008

Chegamos na Índia

É difícil encontrar alguém que seja indiferente em relação à Índia, geralmente as pessoas que passam por aqui ou amam ou odeiam, mas o consenso é que é uma experiência muito intensa. Durante muito tempo escutamos várias histórias e de certa forma tentamos nos preparar para esse momento.

Enquanto o Preto diz que estava esperando o pior (gente cagando no meio da rua, esgoto em todos os lugares, montes e montes de sujeira por todos os lados, um verdadeiro lixão), eu (Aline) tentei não me influenciar e por causa disso acabei me chocando mais.
Na verdade algumas pessoas nos perguntaram se essa etapa da viagem (desde a China) estava valendo a pena, devido a algumas coisas que descrevemos. A resposta é claro que sim, porque desde o início o objetivo da nossa viagem de volta ao mundo era justamente ver o mundo como ele realmente é, todas as suas diferenças e contrastes incluindo coisas que podem não agradar a todos os gostos.

Para algumas pessoas pode não ser o ideal, quem está procurando sofisticação, organização e limpeza definitivamente deve optar por outro roteiro. Aqui no blog tentamos descrever o mais fielmente possível nossas experiências pessoais, como estamos encarando tanta diversidade. É claro que são somente dois pontos de vista sobre um mundo que estamos recém começando a descobrir. Têm coisas que em algumas situações seria melhor abstrair, mas que se assim o fizéssemos estaríamos camuflando a realidade. Por isso demos ênfase a alguns hábitos e situações que de certa forma foram marcantes por serem inusitadas para nós. Imagina qual seria a reação de um nepalês do Himalaia num baile funk carioca?

Avisaram-nos que entrar na Índia por Gorakhpur poderia ser assustador e estigmatizar o resto do país, mas não tínhamos muitas outras opções visto que estávamos deixando o Nepal por terra e nosso destino era Varanasi. O trajeto foi difícil, primeiro 12 horas sentados num ônibus noturno quase sem se mexer até a fronteira, seguido de uma lotação até Gorakhpur onde finalmente pegaríamos outro ônibus. Imundos de poeira, famintos e loucos de calor atravessamos a pé a cidade com nossas mochilas nas costas até a rodoviária. Foi o suficiente para sentir na pele pela primeira vez como é estar na Índia.

Ser perseguidos por rickshaws que não se cansam de tentar uma corrida. Andar em alguns lugares dá a impressão de ter um tapete de lixo polvilhado com cocô de vaca sob os pés. O cheiro de esgoto se mistura com o de comida e temperos dos restaurantes que não tivemos coragem de entrar. Acabamos encarando umas samossas (massa frita com recheio de curry de batata), pois o ônibus estava prestes a sair.


No ônibus uma situação que podemos chamar de bizarra. Uma nova modalidade de buzina que ainda não conhecíamos, a buzina contínua. O motorista simplesmente atolava a mão na buzina e não tirava mais. Primeiro ficamos rindo e achando aquilo surreal, mas quase seis horas de buzina na cabeça não dá pra agüentar, pedimos pro cara aliviar, mas ele pareceu não entender, e todo mundo achando aquilo normal. Sério, é de enlouquecer um cidadão.
Após uma jornada de quase 24 horas chegamos a famosa Varanasi, cidade sagrada para os hinduístas, onde passa o Rio Ganges que é sede de vários rituais.

Para tentar entender o que se passa por lá é necessário saber um pouquinho mais do hinduísmo. Resumindo: essa religião é uma das principais da Índia, basicamente acredita em Deus e em reencarnação. Deus é chamado Brahman e tem três principais formas de ser representado. Brahma que é o responsável pela criação e teve seu principal papel na criação do mundo, Vishnu que é o responsável pela preservação e teve diversas reencarnações entre elas Krishna e Buda, e finalmente Shiva (que possui diversos nomes) que é o responsável pela destruição.

Destruição não em um mau sentido e sim como um fim para que as coisas recomecem e o universo siga seu ciclo. Varanasi é a cidade de Shiva, portanto é onde as coisas terminam. A cidade se localiza às margens do Ganges e tem diversos Ghats (escadarias que levam ao rio e onde são realizados os rituais), dois dos quais são destinados a cremação de corpos. Para cá vêm corpos de todo o país para que sejam cremados e jogados no rio sagrado.

Se fosse só isso tudo bem, acontece que nem todos os corpos são cremados. Crianças com menos de 12 anos, mulheres grávidas, pessoas com hanseníase, picadas de cobra, sadhus (homens que abdicam dos bens materiais para viver orando) e alguns animais são jogados diretamente no rio.

Para lá também escorre todo o esgoto da cidade. É no rio que as vacas sagradas e as pessoas se banham e fazem escolinha de natação. Nos nossos primeiros dias em Varanasi fizemos um passeio de barco pelo rio ao amanhecer e vimos tudo isso.

Olhávamos e quase não falávamos entre nós, concentrados no que nossos olhos captavam. Um pensamento que não saia da cabeça era: isso está realmente acontecendo? Isso é verdade? O ápice foi quando ao olhar pro lado demos de cara com um corpo humano flutuando, a não mais que 20 metros de onde as pessoas estavam se divertindo nadando no rio, indiferentes à aquilo que para nós era quase inacreditável.

Todas as noites é realizada uma cerimônia muito bonita na beira do rio. Música tradicional e coreografias com fogo, dá pra relaxar por alguns minutos, até a hora de voltar pra casa. Hora que todo mundo resolve voltar junto pela mesma rua da cidade, a rua do comércio de sedas e onde todos os rickshaws estão aguardando ansiosos.

Na Índia as mulheres são chamadas de madam (madame) e os homens de Sr. A cada passo alguém te aborda, tem uns que grudam e não te deixam mais em paz. Homens e mulheres são requisitados de formas diferentes, mas basicamente assim: Hello madam, você quer seda, você quer sari? Pra onde vai, quer rickshaw? O que você quer? Entra aqui e dá uma olhada. Entra, entra!!!

Para os homens é semelhante só que substitui a parte dos tecidos por drogas. Oferecem todo tipo de droga que se possa imaginar. Assim no meio da muvuca, na rua. Depois dessa noite pensei em fazer uma camiseta com letras bem grandes escrito não quero sedas, não quero sari, Não quero rickshaw, não quero drogas, não tenho dinheiro. Pra quê? No outro dia saí na rua e vi uma camiseta pra vender com a mesma coisa escrita. Pelo visto não fui a primeira nem a única a ter essa idéia.

Mas Varanasi tem outras peculiaridades que a deixam ainda mais especial. Em que outro lugar do mundo alguém esperaria encontrar uma vaca, ainda por cima desse tamanho, dentro de uma loja? Assim descansando, olhando o movimento? E ir ao dentista no meio da rua? Vishhhhhh, têm vários. A pessoa agacha e arruma os dentes ali mesmo. Pegar um suco de frutas como romã ou lichia e ir passear no mercado de flores, cercado de tantas cores e perfumes, prestando atenção na fisionomia de cada um. Sair com a máquina fotográfica na mão também pode render várias risadas, uma vez que o pessoal fica pedindo por um clique e adoram posar para fotos.




É difícil descrever com palavras e de uma forma tão rápida nossa experiência em Varanasi. Foram muitas emoções para os três dias em que estivemos lá. Um bom início para esse um mês de Índia que temos pela frente. Seguimos tentando descobrir se nos outros lugares que nos aguardam existem regras, organização ou alguma coisa parecida e que não encontramos aqui. O mais próximo da palavra CAOS que já experimentamos.

domingo, 1 de junho de 2008

Momentos no Himalaia

Nosso dilema: ficar no Nepal e fazer uma trilha longa, sacrificando uns bons dias do nosso próximo destino, a Índia ou optar por uma trilha curta e seguir viagem. Nossa decisão: as duas coisas! Pensamos e repensamos, a final a gente estava em pleno Nepal, não queríamos apenas ver as montanhas mais altas do mundo, queríamos subir nelas. Sabe-se lá quando teríamos uma oportunidade como essa de novo. Mas sacrificar a Índia, pela qual esperamos tanto? Sem chance. Trocamos todas as nossas passagens e mudamos os planos da viagem mesmo sabendo que monções nos aguardam pelo caminho.

Escolhemos o Annapurna circuit trek. Considerada uma das trilhas mais bonitas e ricas culturalmente do Nepal. São cerca de 200 Km circulando os Annapurnas, montanhas em torno de 8000 m de altitude. O ponto alto da trilha é a passagem Thorung La, considerada a maior passagem do mundo com mais de 5000 m de altitude. A gente tava muito empolgado, um pouco ansiosos também a final toda hora morre alguém por lá com o tal “mal de montanha”.

Na verdade a galera não se cuida, quer subir o mais rápido possível sem respeitar as regras de aclimatação e acaba com edema pulmonar ou cerebral. Mas a gente conversou bastante e nos comprometemos a fazer tudo direitinho para não estragar esse momento tão especial da viagem. E não se preocupem, se estamos aqui contando como foi é porque sobrevivemos tanto à temida altitude quanto as intermináveis e cansativas horas de caminhada.

A preparação já foi um desafio, restringir a bagagem para tantos dias a duas mochilas pequenas porque lá em cima qualquer quilinho a mais faz muita diferença, uma boa hora para aprender e experimentar o desprendimento material. Depois foi o deslocamento até o início da trilha.

Tínhamos a informação de que o ônibus de Kathmandu para Besisahar a aproximadamente 200 Km chegava a demorar 10 horas, mas não botamos fé. Pra quê? Dito e feito! Dez horinhas num baita calor, ônibus lotado, ouvindo mesmo CD de música nepalêsa, contornando as montanhas com a velocidade de 20 km por hora. Mas tudo bem. Vimos alguns acidentes no caminho que nos fizeram achar que mais rápido que isso poderia ser muito perigoso. De Besisahar para Syange, onde realmente começaria nossa caminhada.

Agora quantas pessoas vocês acham que cabem num ônibus? Ou num jipe? A resposta é depende do lugar. No Nepal, por exemplo, depois que superlota dentro superlota em cima também. E aí vai encarar um surfe automobilístico?


Bem, começamos nossa caminhada muito emocionados, imaginando o que nos aguardaria nessa jornada de tantos dias. Logo na primeira hora a primeira surpresa. Tivemos que parar e esperar uns 40 minutos porque os caras estavam detonando explosivos para restabelecer a passagem. É, toda hora tem deslizamento de terra e às vezes não dá pra passar. Realmente por essa não esperávamos. Nem que fossemos encontrar forças armadas, nem que presenciaríamos uma baita explosão como foi. E o medo de passar por ali depois?

Foi difícil criar coragem, muito pouco espaço, as pedras ainda instáveis... mas na seqüência a recompensa. As vistas começaram a ficar cada vez mais bonitas até atingirmos um dos vilarejos mais encantadores de todos, Tal onde dormimos a primeira noite. Exaustos e mortos de fome recuperamos nossas energias com um bom banho de balde e comendo um “Dal Bhat Set, que é a comida tradicional do Nepal. Consiste basicamente em arroz, lentilha e um curry de batata que eles comem com as mãos, o bom é que você pode repetir quantas vezes quiser pelo mesmo preço.

Depois de caminhar o dia todo nada mais reconfortante. No outro dia seguimos viagem, mais umas 7 horas de caminhada, subindo as montanhas do Himalaia. Vale a pena dar uma paradinha em cada vilarejo para observar como vivem as pessoas por aqui. O estilo é o mais rústico possível, a maioria do que chega aqui vem trazido por animais de carga ou pelas próprias pessoas. O engraçado é a forma como eles carregam, sejam produtos pra revender, sejam mochilas dos turistas, tudo é pendurado na cabeça.

Para atingir um recorde como esse camarada da foto tem que treinar desde pequeno. Nesse dia os lugares que mais nos marcaram foram Bagarchap e Thanchowk onde passamos a noite e tivemos um jantar muito especial à beira do fogão à lenha.

Até aqui as montanhas eram predominantemente verdinhas e adivinha o que é mato nas montanhas do Himalaia? Como dá para ver o que não é maconha é urtiga, não é brincadeira, cresce por todo lado. Falamos para o nosso companheiro de trilha nepalês que no Brasil isso era proibido e ele nos disse que aqui também é, imagina se não fosse...ah, e cuidado na hora de fazer xixi porque se não pode acabar com o bumbum queimado como aconteceu com a Aline(eta que raiva dessas urtigas desgraç...).


O terceiro dia de caminhada passa por precipícios e penhascos até atingir Pisang. Aqui a paisagem muda bastante e o verde é substituído por montanhas nevadas que serão nossas companheiras daqui pra frente.

De Upper Pisang se vê o Annapurna II, LINDO, enorme e se pode escolher duas formas de seguir viagem, uma mais curta e fácil por dentro da floresta ou outra subindo, mais difícil, mas com vistas incríveis.

Ficamos com a segunda opção. Não vamos falar muito, vamos mostrar o que muitas pessoas perdem com a pressa de chegar mais rápido. Se foi difícil, sim, foi a parte mais difícil da trilha até então, mas as melhores vistas também. Saímos super cedo, a melhor hora para ver as montanhas, porque logo que o sol começa a bater as nuvens se formam e já não dá pra ver muita coisa. Nosso café da manhã foi em Ghyaru a 3.730 m de altura, que momento.

Seguimos para Manang, que é o vilarejo com a maior infra-estrutura do percurso de ida, fica a 3.500 m acima do nível do mar. Aqui é recomendado um dia de aclimatação, ou seja, dormir duas noites no mesmo lugar, fazer pequenas caminhadas nas redondezas, ganhar altitude e voltar.

Lá conhecemos nossos novos amigos chilenos. Mais chilenos gente fina na nossa viagem. Carolina, Cristobal e Thomaz que foram nossos companheiros por mais alguns bons dias de caminhada. Enquanto para o Augusto estava tudo tranqüilo, mesmo tomando litros e litros de água a Aline começou a sentir a altitude.

Na primeira noite em Manang uma forte dor de cabeça e após dois dias, em Ledar uma sensação muito estranha, muito frio, inquietação, um sentimento parecido de quem está com febre, difícil de descrever, ficamos preocupados, com medo de ter que parar por aí. Fomos bem orientados de que se os sintomas aparecerem e permanecerem não se deve continuar. As coisas melhoraram e ao amanhecer do que seria nosso sétimo dia de percurso aconteceu pela primeira vez em nossas vidas...a neve!!!!

É, esperamos por 25 e 28 anos para vê-la pela primeira vez. Já tínhamos visto muito gelo por aí, mas nunca as estrelinhas brancas caindo do céu. Denovo que momento!!! Engraçado ver a diferença entre os trekers especialmente os europeus todos equipados, com roupas especiais para vento, neve, sticks profissionais e nós, os trekers tabajara. Nos cobrimos com nossas super-capas a prova de tudo que compramos por 6 reais, pegamos nosso cajado de madeira e saímos para enfrentar o penúltimo dia de subida de baixo de neve.

A última noite foi uma das mais legais, dormimos a 4450 m de altitude, ficamos jogando com a galera e tentando controlar a ansiedade para que ficasse tudo bem e conseguíssemos completar a passagem no dia seguinte. Foi a noite mais gelada de nossas vidas, pena que não tínhamos um termômetro para marcar a temperatura, mas fez frio como nunca antes havíamos sentido. O último dia foi o mais difícil, subida muito íngreme, pouco oxigênio disponível, a trilha coberta de neve em vários trechos, nos puxamos muito, a Aline achou que não ia conseguir, a cada poucos passos para cima o coração começava a disparar.



O tempo estava meio nublado, mas à medida que nos aproximávamos de Thorung La o céu foi se abrindo. Enfim o grande momento, alcançamos 5416 m de altitude. Conseguimos!!! O céu azulzinho e a vista perfeita. Novamente que momento!!!!!!!!! Valeu a pena, valeu cada minuto de subida, o cansaço, a ansiedade. Ficamos pouco tempo lá porque logo logo o frio começou a bater e tivemos que seguir, só que dessa vez para baixo.


O caminho de volta também é muito bonito, mas não tem a mesma magia, os vilarejos são um pouco maiores e há estradas até a penúltima parada antes de Thorung pass. Mesmo assim não podemos deixar de mencionar Muktinath e Marpha, como lugares muito especiais. Tatopani que é famosa por suas águas termais não nos pareceu nada de mais e foi por ali que terminamos nossa trilha no Himalaia.


Ao total foram 10 dias nos quais caminhamos cerca de 142 km. Em geral saíamos por volta das 6 da manhã e parávamos por volta das cinco da tarde. Passamos por vários vilarejos construídos com pedras, conhecemos muitas pessoas simples que vivem uma vida difícil, mas dão muito valor ao fato de estarem ali, no meio dos Annapurnas. Nos despedimos das montanhas passando por Pokhara e voltando para Kathmandu de onde seguimos para a Índia.