quinta-feira, 30 de outubro de 2008

África selvagem

Quando estávamos planejando nossa viagem vimos que não poderíamos conhecer bem todos os lugares, então resolvemos nos focar na Ásia e tentar experimentar pelo menos um pouquinho de cada continente, uma escolha difícil diante de tanto lugar que ia ficar de fora. A situação política de alguns países africanos andava meio instável e alguns até em guerra civil por isso resolvemos escolher a África do Sul como nossa parada no sul da África.

A gente estava meio apreensivo de viajar por lá, pois muita gente nos falou que a África do Sul era bastante perigosa. Para nosso alívio fizemos contato pelo Couch Surfing com Molote, um sul africano que mora em Johannesburg e nos hospedaria durante nossa estadia na cidade.

Logo na chegada ele sugeriu que mudássemos nossos planos pois ele tinha conhecido duas belgas que queriam fazer toda a Wild Coast até Cape Town de carro. Daí começaram a surgir algumas dificuldades, primeiro ficamos com medo de acabar gastando mais que o planejado, a gente tinha que mudar a data do próximo vôo, verificar a situação de vistos para a Suazilândia (brasileiro pode pegar o visto na fronteira), arrumar um carro com preço acessível que coubesse todo mundo com os mochilões e iríamos seguir numa trip de 13 dias em um carro apertado com pessoas que nunca tínhamos visto.

Final das contas, resolvemos arriscar e embarcar nessa. No mesmo dia da chegada nos encontramos com nossos futuros parceiros de viagem Sarah, Anelice e Emanuel (que iria nos encontrar em Durban) e partimos. De noite já estávamos em outro país, na Suazilândia, um reino independente no meio da África do Sul. Até agora foi nosso recorde, 3 países em menos de 24 horas e olha que Hong Kong fica longe, hein!!!

Enfim, chegamos na Sondzela Guest House onde passamos a noite. No outro dia fizemos uma trilha de 5 horas no santuário ecológico Mliwane percorrendo a savana entre zebras, javalis e crocodilos nas margens dos rios. Nos perdemos várias vezes na trilha mal sinalizada, mas a caminhada até o topo de uma das montanhas foi compensada com uma vista maravilhosa de 360 graus de grande parte do país.

Pra fechar o dia presenciamos um por do sol inesquecível na paz da savana africana. Tempo pra contemplar a natureza exuberante e refletir sobre uma dura realidade do lugar. A prevalência do HIV na Suazilândia é de 26%, com 40% da população adulta contaminada pelo vírus, conferindo a maior taxa de contaminados no mundo.


É quase inacreditável que quase metade da população sexualmente ativa esteja contaminada, entretanto o governo vem trabalhando para tentar diminuir esse número com campanhas publicitárias e distribuindo gratuitamente preservativos.

De volta à África do Sul rumamos para outra reserva, Hluhluwe famosa pela alta densidade de animais, dentre eles os “big five” (5 grandes): elefante, rinoceronte, leão, leopardo e búfalo, além das pescoçudas girafas. Chegamos lá já no meio da tarde e fomos informados que o parque fechava os portões às 18:00 horas, mas que a gente ia ter tempo suficiente pra aproveitar bastante e ver todos os animas se tivéssemos sorte.

Rodamos bastante e nas primeiras 2 horas vimos muitas zebras, antílopes, impalas e javalis e dos grandes mesmo apenas um rinoceronte com filhote. Até que quando numa estrada alternativa dois rinocerontes gigantes resolveram entrar na nossa frente. Parei (Augusto) o carro, engatei a ré por precaução e um pouco apreensivos sobre a reação deles resolvemos esperar os bichões sairem da nossa frente.

O problema é que só um deles saiu, o outro ficou ali parado fechando a passagem. As pessoas locais dizem que não se pode avançar sobre os rinocerontes e elefantes, pois se eles se enfezarem podem fazer um estrago grande. Então a única saída era esperar. O sol foi baixando e com o entardecer tivemos belas imagens de girafas passando mais à frente.

Quando o rino resolveu abrir passagem estávamos longe da estrada principal e não ia dar tempo de chegar no portão do parque na hora certa. Molote ligou para a recepção e eles garantiram que teria alguém para abrir o portão para que a gente pudesse sair. Problema resolvido e graças ao rinoceronte acabamos fazendo um safári noturno durante a volta e aí sim acabamos vendo os elefantes e grupos de leões.

Só que, ao chegar ao portão quem disse que alguém veio abrir? Só conseguimos sair depois de mais de meia hora de espera quando um caminhão da reserva teve que entrar e mesmo assim depois de bater boca com os seguranças. Mais tarde um colega nos disse que tivemos muita sorte em conseguir sair, pois os seguranças recebem ordem para não abrir os portões e ele já tinha ficado preso uma vez tendo que passar a noite dentro do carro com os leões pela volta.

Depois desse aperto nos dirigimos para a cidade costeira de Santa Lucia, chegamos tarde da noite e pra nossa surpresa estava tendo um apagão na cidade e todas as hospedagens acessíveis estavam lotadas. Quando a gente já tava cogitando a possibilidade de dormir no carro achamos uma pousada bem barata onde fomos muito bem recebidos pelos locais em frente a uma fogueira bem grande que nos aqueceu antes de ir pra cama.

No outro dia resolvemos encarar uma trilha debaixo de chuva para tentar ver os hipopótamos. Até então a gente tava achando que eram animais mitológicos, porque nunca os víamos nos lugares que nos falavam que eles sempre estavam. Dessa vez vimos vários, berrando na beira do rio e ainda acompanhados de alguns crocodilos.

Depois de desmistificar os hipopótamos chegamos à praia de Santa Lucia e ficamos até quietos por alguns minutos, bateu uma saudade forte do Cassino ao ver aquela faixa longa de areia fina, mar agitado, chovendo e ventando forte no melhor estilo do inverno cassineiro. De lá, continuamos nossa rota até Cape Town pela costa.

Em Durban, maior cidade da região zulu e conhecida pelas boas ondas que quebram em seus piers, acabamos conhecendo novos amigos que nos hospedaram durante nossa passagem por lá. A partir do segundo dia o vento ficou tão forte que não tinha como ficar perto da praia sem comer areia, então decidimos dar uma volta pela cidade e conhecer alguns museus. Também conversamos muito com Molote, que nos explicou sobre o que realmente aconteceu durante o período do Aparteid.

Até 1990 a discriminação racial era aprovada por lei que restringia os direitos da população negra até mesmo em relação aos locais a serem freqüentados como praias, bares e zonas habitacionais, ou seja, bar de branco, bar de negro, escola de branco, escola de negro, praia de banco, praia de negro.


Até hoje em muitos estabelecimentos há uma plaquinha na entrada dizendo que o local tem o direito de não permitir a entrada de pessoas indesejadas, que anteriormente se referiam aos negros. O que mais impressiona é que esse sistema de controle racista só deixou de ser oficial há pouco tempo e que a sociedade ainda vive seqüelas desse período.

Nos despedimos de Durban na casa da família da Cindy, nossa anfitriã, com um churrasco sul africano bem típico, carne assada acompanhada de pap uma polenta branca feita com maisena e que faz a base do prato como o nosso arroz aí no Brasil. Mas ainda tem um bom caminho pela frente, próximo post mais África selvagem.

terça-feira, 14 de outubro de 2008

Adeus à Ásia via Hong Kong

Hong Kong, a nossa última parada antes de sair da Ásia. Depois de tanto tempo percorrendo culturas e estilos de vida tão diferentes definitivamente não estávamos pensando em finalizar nossa passagem pela Ásia por Hong Kong. Na verdade não era nem nosso objetivo inicial conhecer o lugar, nada contra quem tem curiosidade de ir pra lá, é que simplesmente não era nosso foco. No entanto quando organizamos o roteiro, a única forma de deixarmos a Ásia rumo à África era via Hong Kong.

E já que assim que tinha que ser, assim foi. Nós de novo em território chinês e dessa vez para passar o meu aniversário (Aline). Uma ilha e seus arredores no continente, idioma cantonês (ainda mais complicado que o chinês com oito ao invés de quatro tons), paraíso fiscal, um mega centro comercial, prédios futurísticos, escritórios de todas as grandes empresas multinacionais e muita, mas muita gente, bem-vindos à Hong Kong.

Depois de tanta praia e paraísos naturais aterrizamos numa selva de pedra, cheia de arranha céus e onde todo mundo corre, tempo é dinheiro e por falar nisso adeus preços asiáticos. Voltamos a sentir quanto custa a vida fora da Ásia já na nossa despedida dela. Nosso guia dizia que as acomodações mais baratas em Hong Kong eram num prédio chamado Chungking Mansions, mas que seria arriscado se aventurar por lá. Mesmo assim resolvemos encarar e acabamos achando um quarto “ficável”, minúsculo, mas limpinho.

Acho que foi o menor quarto que eu já vi. Cabia nós dois e olhe lá as mochilas, ah e a bagunça é claro. Pronto, devidamente instalados era chegada a hora de desbravar mais um canto, nesse caso cantinho do mundo. Particularidades de Hong Kong: O calor estava danado, como não havia sala na nossa guest house toda hora íamos ao Mac Donalds do lado do nosso prédio para nos refrescarmos enquanto organizávamos as nossas coisas.

Toda vez que entrávamos lá víamos uma senhora estranha sentada, sempre no mesmo lugar, na mesma posição, dia e noite. Chegamos a conclusão que a velinha morava lá, tem de tudo nesse mundo, até quem queira morar no Mac Donalds. Não voltamos lá pra conversar com ela já que o Preto disse que estava se encaminhando para o primeiro infarto de tanto comer hamburgers.

Resolvemos mudar nossa dieta, mesmo tendo que pagar mais caro para comer comida que preste. Em Hong Kong cada banco confecciona seu próprio dinheiro, então existem diferentes cédulas com diferentes tamanhos e designs para um mesmo valor. Estranho, mas tudo bem. Nada como andar de escada rolante no meio da cidade, passear por uma rua (Tung Choi Street) que só vende aquários, peixinhos e corais. Entrar na loucura que é Mong Kok, o lugar mais movimentado que já estivemos e ver uma cena como essa, orientais alheios a tudo jogando seu joguinho.


Andar mais alguns passos e estar no meio de uma multidão que está ali só para atravessar a rua e é claro, se perder. Bah essa foi difícil, para não dizer outra coisa. No meio da rua mais movimentada a gente se perdeu. O Preto estava com as chaves e o dinheiro, já estávamos meio em cima da hora de nos arrumarmos para ver o show de luzes no cais. Era véspera do meu aniversário, foi um estresse e um bom tempo até a gente se achar de novo. No final perdemos o show, mas ficamos no cais, onde rolam várias atrações até a virada dos meus 26 aninhos.


Comemoração por um lado, mas um pesar de outro. Chegou o momento de dar adeus à Ásia. O principal foco da nossa viagem, tudo de mais diferente da civilização ocidental que já experimentamos.

Não vamos mais comer noodle soup, pad thay e fried rice todos os dias, nem andar de tuk tuk ou rickshaw, nem escapar de terremoto e tempestade por pouco, nem se transformar no fã número 1 de Bollywood. Não vamos mais chorar por ter que comer tanta pimenta (enquanto os locais pedem mais), nem subir montanha 8 horas por dia (no Nepal), nem barganhar por 10 minutos antes de comprar qualquer coisa.


Acabou o tempo de ouvir tanta buzina ou morrer de medo de acidente porque o motorista dirige mandando mensagem ou falando no celular, de ver mais de quatro pessoas numa moto e o trânsito mais doido desse mundo. Chega de dar oi pra todos que passam na rua (Índia), ver simplicidade sem miséria (Laos), de ver templos encantadores (Camboja e Japão). Não veremos mais japoneses, chineses e indianos andando de mãos dadas, nem mais de trinta escarradas em um dia, nem gatos com rabos cotós (quase todo gato na Ásia tem o rabo curtinho).


Não teremos mais que nos comunicar por desenhos (China), nem andaremos em meio aos mais diferentes incensos e especiarias desviando de chifres e cocôs. Não teremos mais que tirar os sapatos antes de entrar em qualquer lugar, nem comeremos lichias e dragon fruits à vontade enquanto pensamos na possibilidade de comer larvas e insetos.


Não seremos mais alvo de tentativas de golpes vietnamitas, nem veremos eles com seus chapeuzinhos cônicos pra lá e pra cá.Não nos surpreenderemos com tanta organização e costumes milenares (Japão), não sentiremos mais vontade de dar um trago nos malaios pra ver se eles se liberam um pouco.

Não comeremos mais comida nos saquinhos, espetinho de ovo com casca, sticky rice, erva doce, não ouviremos mais a cada esquina a proposta de massaaaaaaaaaaage (Tailândia e Indonésia),nem tomaremos mais Chaiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii.


Infelizmente acabou, a etapa mais esperada e com certeza a mais exótica da nossa viagem. Dá uma tristeza, com certeza, não tem como evitar. É claro que muitas coisas a gente leva conosco e de alguma forma acrescentaremos às nossas vidas, mas viver na pele tudo isso foi bom demais. Não tem dinheiro que pague, não tem livro, televisão ou internet que mostre nem tempo que faça esquecer.
Nossa primeira jornada pela Ásia chegou ao fim, nossas experiências asiáticas terminam agora, mas até quando? Até a próxima é claro ou alguém acha que depois dessa a gente sossega?