segunda-feira, 18 de agosto de 2008

A história, as crianças e os dólares do Camboja

Imagina você chegar a um país, ir sacar dinheiro num caixa eletrônico e receber dólares. É meu amigo, você não está nos Estados Unidos e sim no Camboja. Um pequeno país asiático marcado por uma triste e recente história que ainda hoje circula na atmosfera do lugar. A história a qual me refiro é a do Pol Pot que durante os anos entre 1975 e 1979, na tentativa de implementar um sistema socialista (ou o que ele entendia por isso) o mais rápido possível acabou instalando o terror em um país inteiro.

Essa época ficou conhecida como Khmer Rouge, período em que morreram mais de dois milhões de pessoas. Hoje quem visita o Camboja, especialmente a capital Phnom Penh vê resquícios dos campos de concentração e de extermínio que agora são museus. Inclusive o Campo de Extermínio de Choeung Ek com a presença de mais de 8.000 crânios de pessoas executadas naquele lugar, onde o ritmo chegou a atingir 300 assassinatos ao dia.

A história desse tipo de coisa é mais ou menos sempre a mesma, começa com uma bela propaganda de um novo regime que necessita de voluntários em troca de um bom salário e a promessa de não passar mais dificuldades. Uma vez lá dentro quem não matar, torturar ou colaborar acaba morto. A fome tomou conta geral e é por isso que os cambojanos têm a fama de comer qualquer coisa. Porque num perrengue como o que eles passaram qualquer coisa que alimente é comida.

Vimos aranhas e insetos na mesa da galera direto, mas o prato preferido, aquele que não falta em nenhuma esquina é o grilo. Além disso, há minas de explosivos espalhadas por todo país desde aquela época, muitas das quais ainda não explodiram, então há diversos locais que não se pode passar nem perto.

Acontece que muitos só ficaram sabendo disso depois do pior.Nunca antes tínhamos visto tanta gente mutilada como no Camboja. São inúmeras pessoas sem braços, sem pernas e a grande maioria se arranja em grupos de música para tentar sobreviver. O país ainda não se recuperou e tem algumas áreas muito pobres.

Quem vai lembrar do Camboja com a Tailândia de um lado, tigre asiático onde o turismo cresce assustadoramente e o Vietnã do outro, a vítima dos Estados Unidos que foi seriamente prejudicado, mas recebeu e recebe bastante incentivo estrangeiro para se recuperar. É por essas e por outras que o país está nessa situação, e como se não bastasse a corrupção rola solta. Tivemos um bom exemplo disso quando a sentimos na pele nos nossos primeiros momentos de Camboja.

Queríamos deixar o Lao rumo a Siem Reap, a cidade onde fica o famoso Angkor Wat, uma das maiores construções religiosas do mundo. Só que a gente não estava a fim de ir com pacotinho, queríamos viajar como as pessoas locais e não numa van cheia de turistas. Nos amarramos, atravessamos o rio e quando chegamos em Ban Nakasang não havia mais ônibus naquele dia. Olhamos no relógio e ainda dava tempo de pegar a fronteira aberta se nos apressássemos, além do Lonely Planet dizer que uma vez lá o transporte para o Camboja era fácil.

Cada um contratou um moto boy e nos despedimos do Lao em grande estilo. Quando chegamos, quase 5 horas da tarde e percebemos que a fronteira eram somente duas aduanas no meio do nada, que o transporte fácil era um único táxi que queria nos cobrar 50 dólares até a cidade cambojana mais próxima, ficamos de cara. A gente já estava pensando em voltar, quem sabe acampar ali e esperar o primeiro ônibus no outro dia, até que veio o funcionário local com aquele papinho, se vocês me ajudarem eu posso ajudar vocês, querendo nos extorquir.

Bah, por essa a gente não esperava, o dia acabando e a gente ali sozinhos no meio do nada com neguinho querendo se dar bem às nossas custas. Ah, mas não deu outra. Começamos a fazer uma cena, dizendo que éramos brasileiros, que não tínhamos dólares, que tudo que a gente tinha era o restinho do dinheiro local. Não é que o cara acreditou mesmo e pagamos pra ele em kip o equivalente a 10 dólares (bem melhor que os cinqüenta pedidos inicialmente) para sair dali.

Passado o perrengue chegamos a Stung Treng, nossa primeira parada no Camboja, uma cidade onde quem está de passagem fica por uma noite. O lugar é uma bagunça, ruas enlamaçadas e em alguns momentos do dia parece que todo mundo sai para os arredores do mercado local, montado praticamente sobre sarjetas imundas. Pegamos um ônibus de manhã cedinho para Siem Reap, agora sim, e no final das contas gastamos com transporte exatamente os 26 dólares que teríamos gasto se tivéssemos saído direto de Si Phan Don. Mas aventura não tem preço, já dizia o Master Card.

Chegamos a Siem Reap tão cansados que decidimos esperar um dia antes de conhecer o complexo Angkor. Preferimos passear pela cidade primeiro e recuperar as energias para a maratona de templos que iríamos encarar.
Comemos uma pizza, tomamos uma cervejinha pra desestressar e acabamos indo dormir tarde. Lá pelas três e meia da manha logo depois de pegar no sono acordamos ao perceber que nós éramos a janta.

Já perdemos a conta de quantas camas diferentes experimentamos nessa viagem, sabíamos que existem uns bichinhos chamados bed bugs (tipo um carrapato que vive nas camas), porém nunca havíamos nos encontrado com eles. Ao acender a luz pegamos vários no flagrante, alguns bem gordinhos com o nosso sangue. Ah, ninguém merece, principalmente porque a picada dói e fica uma baita marca depois. Função no meio da madrugada, mudamos para um quarto melhor e pelo mesmo preço do anterior.

O Preto deitou e capotou, eu (Aline) ainda estava meio tensa, não dormi, fechei os olhos e fiquei treinando as técnicas de meditação que aprendi na Tailândia. O dia já estava amanhecendo quando senti algo caminhando em cima de mim. Ahhhhhhhhhhhh!!!!!!! Dei um grito tão alto que acho que acordei a vizinhança inteira. Ainda tive que atirar ela longe, a barata alienígena de uns 10 cm de comprimento que estava me atacando e que o Preto insiste em dizer que era apenas uma barata normal.

Uma nova manhã começa, zera tudo, esquece corruptos e insetos pestilentos que a ocasião merece. É chegado o dia de conhecer os templos de Angkor. Para quem não tem nem idéia do que se trata é um impressionante complexo de templos hinduístas e ruínas do que foi um dos maiores impérios do Sudeste Asiático. A maioria do Período Ancoriano do império Khmer, entre 802 e 1432 DC. Algumas construções resistiram às guerras e invasões, mas não ao tempo e a natureza.

O que faz a beleza do lugar são as árvores enormes que nasceram dentro dos prédios e por acaso deram origem à uma arquitetura única e muito especial. Quem visita as ruínas de Angkor conhece o Camboja de ontem e de hoje.

É impossível não perceber a quantidade de crianças que ficam dentro do complexo pedindo ou trabalhando como vendedores de suvenires. São tantas que chega a dar um aperto no coração. Elas se aproximam e parecem uns robozinhos, falando “one dollar, money”. Não há nada que se fale, não há palhaçada que se faça que tire delas um sorriso.

Não só lá, o país inteiro está tomado de crianças nas ruas nessa situação. A gente se solidarizou e mesmo com o tempo contado escrevemos para uma organização de trabalho voluntário.

Infelizmente nosso e-mail voltou e tivemos que seguir, mas com certeza é algo que ficou marcado. Por isso estamos dividindo aqui com vocês, se tem alguém que pensa em fazer uma viagem com o propósito de voluntariar, na Ásia o Camboja é o lugar. Deixamos Siem Reap e nos dirigimos a Phnom Penh, a capital. Nos hospedamos na Number 9 Guest House, uma pousadinha flutuante bem simples e aconchegante na beira do lago. Um dos pores do sol mais memoráveis da nossa jornada.

Na cidade transporte público é motocicleta. Cena normal é ver quatro pessoas em cima de uma moto, mas não foram poucas vezes que vimos seis. Como a gente gosta de viver como os locais, tratamos de nos adaptar, já diz o ditado, se não pode vencê-los junte-se a eles. E nós também aderimos às motinhas. A final nosso próximo destino é o Vietnã, pelo que ouvimos falar a capital mundial do trânsito caótico então tivemos que nos preparar, mas por enquanto duas cabeças por moto é o suficiente.

14 comentários:

Anônimo disse...

Admiro demaaaaaaiiissss a coragem e o espírito aventureiro de vocês(especialmente da Aline)! Tenho certeza que, se não antes, no episódio da barata eu teria arrumado minhas tralhas e voltado pra casa, kkkkk!!!
Estou me divertindo muito com os posts de vocês e aproveitando pra aprender sobre lugares que certamente nunca irei na vida, rs! Beijos
Marina

Anônimo disse...

Oi amigos já estava com saudades de vcs,heheheh
Continuem firme e forte beijão!!! Camila

Unknown disse...

Que loucura esse último post, rsrs. A história das crianças nos templos/ruas é assustadora (assim como a dos insetos,hehe). Mas as fotos dos templos estão lindíssimas. Ó, cuidado com as motoquinhas aí. Um conselhinho básico: Aline, dirija o menos possívellllllllllllll! hahaha. Beijão procês e saudades

Leonardo Rios disse...

bah...sensacional! Viva o Camboja!

Anônimo disse...

Oiiii gostei do comentário da Luana, aline melhor deixar o augusto dirigir ahahaha Brincadeirinhas a parte, q bom q a diversão continua. Aline recebesse minha resposta offline no msn? Espero q sim, pois depois vi o email, mas tava atucanadaça preparando aula... bj gde!!!! Q venha Baaali!!!!

Mari Mendoza disse...

Gentee, que loucura esse post! Primeiro pela choque causada pelas fotos da lama e sujeira da cidade, das crianças na miséria e do relato desses bichos estranhos atacando vocês. Sinceramente, acho que precisa um certo preparo pra encarar tudo isso. Não é pra qualquer um. Por outro lado.. que maravilha a foto dos templos! E das árvores sobre as casas?!? Não tem explicação. Achei extraordinário!!! Beijos!!

Anônimo disse...

Augusto & Aline,
Oi! Gostei de saber que a Aline já esta melhor de saúde e com ótimas novidades para contar...O Lao foi uma surpreza agradavel. Do Camboja achei interesante as dicas de culinária...aliás Augusto, quando chegar ao Brasil o Henrique pediu p/ preparar um prato típico do Camboja, ok? hehehe...
Bom, continuem com muita saúde, disposição e pé na estrada.Abraços,
Thiers

Carlos Teixeira - Horacio disse...

Fala Preto, a trip de vcs continua muito massa e o blog muito bem escrito. Nos inspiramos em vcs e vamos fazer um baby moon em Phuket apartir de 28 de agosto. Li no blog que vcs voltam para o sul da Tailandia. E ai qdo vcs aparecem por lah? Sera que vamos nos ver? Abracos e boa viagem!!

Unknown disse...

ALINA!!
Essa viagem tá show, quanta cultura diferente, não tinha noção dessa realidade do Camboja, como esse lugar parece esquecido pelo resto do mundo.. Aproveitem mto, Beijão

Anônimo disse...

Ei, atualiza aííiiiii!!!!! Bjs

Anônimo disse...

Fala Augustio!
É bom poder ver que vcs estão bem. Então, é a primeira vez que eu escrevo alguma coisa por aqui e estou perdido, hehee. Estava ancioso pela sua chegada ao Camboja. Li um livro uma vez que falava sobre o país, seus templos e pouco de sua história. O autor tentava descrever as imagens que ele tinha visto nos templos e só agora pude ver como são na realidade. É muito bonito mesmo. Impressionante o tamanho das árvores que estão dentro. Minha maior espectativa era realmente pelo Camboja. Muito bacana.
É isso aí!
Um grande abraço Danilo

Augusto disse...

Thiers, quero só ver se vocês vão ter coragem de comer as coisas que eu tenho visto no prato do pessoal. Quando eu chegar a gente faz uma expediçao pra coletar a janta no meio do mato.

Danilo, os templos de Angkor sào muito massa. Grandes e com arquitetura bem diferente dos outros que tinhamos visto até agora. Se quiser ver mais um pouco, assinte ao filme Tomb Rider.

Abrax, Augusto

Anônimo disse...

Ei pessoal, nao se preocupem que quem dirige e o Preto!! Motinha so de carona pra mim, quero chegar viva ao final da viagem. Obrigada por nos acompanharem e participarem do blog. Saudades de vcs!!!

Unknown disse...

amei amei amei...
ta profissional no post em aline hehehehe quero comprar o livro depois :) beijossss