
Quando estávamos planejando nossa viagem vimos que não poderíamos conhecer bem todos os lugares, então resolvemos nos focar na Ásia e tentar experimentar pelo menos um pouquinho de cada continente, uma escolha difícil diante de tanto lugar que ia ficar de fora. A situação política de alguns países africanos andava meio instável e alguns até em guerra civil por isso resolvemos escolher a África do Sul como nossa parada no sul da África.

A gente estava meio apreensivo de viajar por lá, pois muita gente nos falou que a África do Sul era bastante perigosa. Para nosso alívio fizemos contato pelo Couch Surfing com Molote, um sul africano que mora em Johannesburg e nos hospedaria durante nossa estadia na cidade.

Logo na chegada ele sugeriu que mudássemos nossos planos pois ele tinha conhecido duas belgas que queriam fazer toda a Wild Coast até Cape Town de carro. Daí começaram a surgir algumas dificuldades, primeiro ficamos com medo de acabar gastando mais que o planejado, a gente tinha que mudar a data do próximo vôo, verificar a situação de vistos para a Suazilândia (brasileiro pode pegar o visto na fronteira), arrumar um carro com preço acessível que coubesse todo mundo com os mochilões e iríamos seguir numa trip de 13 dias em um carro apertado com pessoas que nunca tínhamos visto.


Final das contas, resolvemos arriscar e embarcar nessa. No mesmo dia da chegada nos encontramos com nossos futuros parceiros de viagem Sarah, Anelice e Emanuel (que iria nos encontrar em Durban) e partimos. De noite já estávamos em outro país, na Suazilândia, um reino independente no meio da África do Sul. Até agora foi nosso recorde, 3 países em menos de 24 horas e olha que Hong Kong fica longe, hein!!!


Enfim, chegamos na Sondzela Guest House onde passamos a noite. No outro dia fizemos uma trilha de 5 horas no santuário ecológico Mliwane percorrendo a savana entre zebras, javalis e crocodilos nas margens dos rios. Nos perdemos várias vezes na trilha mal sinalizada, mas a caminhada até o topo de uma das montanhas foi compensada com uma vista maravilhosa de 360 graus de grande parte do país.

Pra fechar o dia presenciamos um por do sol inesquecível na paz da savana africana. Tempo pra contemplar a natureza exuberante e refletir sobre uma dura realidade do lugar. A prevalência do HIV na Suazilândia é de 26%, com 40% da população adulta contaminada pelo vírus, conferindo a maior taxa de contaminados no mundo.

É quase inacreditável que quase metade da população sexualmente ativa esteja contaminada, entretanto o governo vem trabalhando para tentar diminuir esse número com campanhas publicitárias e distribuindo gratuitamente preservativos.

De volta à África do Sul rumamos para outra reserva, Hluhluwe famosa pela alta densidade de animais, dentre eles os “big five” (5 grandes): elefante, rinoceronte, leão, leopardo e búfalo, além das pescoçudas girafas. Chegamos lá já no meio da tarde e fomos informados que o parque fechava os portões às 18:00 horas, mas que a gente ia ter tempo suficiente pra aproveitar bastante e ver todos os animas se tivéssemos sorte.

Rodamos bastante e nas primeiras 2 horas vimos muitas zebras, antílopes, impalas e javalis e dos grandes mesmo apenas um rinoceronte com filhote. Até que quando numa estrada alternativa dois rinocerontes gigantes resolveram entrar na nossa frente. Parei (Augusto) o carro, engatei a ré por precaução e um pouco apreensivos sobre a reação deles resolvemos esperar os bichões sairem da nossa frente.

O problema é que só um deles saiu, o outro ficou ali parado fechando a passagem. As pessoas locais dizem que não se pode avançar sobre os rinocerontes e elefantes, pois se eles se enfezarem podem fazer um estrago grande. Então a única saída era esperar. O sol foi baixando e com o entardecer tivemos belas imagens de girafas passando mais à frente.

Quando o rino resolveu abrir passagem estávamos longe da estrada principal e não ia dar tempo de chegar no portão do parque na hora certa. Molote ligou para a recepção e eles garantiram que teria alguém para abrir o portão para que a gente pudesse sair. Problema resolvido e graças ao rinoceronte acabamos fazendo um safári noturno durante a volta e aí sim acabamos vendo os elefantes e grupos de leões.

Só que, ao chegar ao portão quem disse que alguém veio abrir? Só conseguimos sair depois de mais de meia hora de espera quando um caminhão da reserva teve que entrar e mesmo assim depois de bater boca com os seguranças. Mais tarde um colega nos disse que tivemos muita sorte em conseguir sair, pois os seguranças recebem ordem para não abrir os portões e ele já tinha ficado preso uma vez tendo que passar a noite dentro do carro com os leões pela volta.

Depois desse aperto nos dirigimos para a cidade costeira de Santa Lucia, chegamos tarde da noite e pra nossa surpresa estava tendo um apagão na cidade e todas as hospedagens acessíveis estavam lotadas. Quando a gente já tava cogitando a possibilidade de dormir no carro achamos uma pousada bem barata onde fomos muito bem recebidos pelos locais em frente a uma fogueira bem grande que nos aqueceu antes de ir pra cama.

No outro dia resolvemos encarar uma trilha debaixo de chuva para tentar ver os hipopótamos. Até então a gente tava achando que eram animais mitológicos, porque nunca os víamos nos lugares que nos falavam que eles sempre estavam. Dessa vez vimos vários, berrando na beira do rio e ainda acompanhados de alguns crocodilos.

Depois de desmistificar os hipopótamos chegamos à praia de Santa Lucia e ficamos até quietos por alguns minutos, bateu uma saudade forte do Cassino ao ver aquela faixa longa de areia fina, mar agitado, chovendo e ventando forte no melhor estilo do inverno cassineiro. De lá, continuamos nossa rota até Cape Town pela costa.

Em Durban, maior cidade da região zulu e conhecida pelas boas ondas que quebram em seus piers, acabamos conhecendo novos amigos que nos hospedaram durante nossa passagem por lá. A partir do segundo dia o vento ficou tão forte que não tinha como ficar perto da praia sem comer areia, então decidimos dar uma volta pela cidade e conhecer alguns museus. Também conversamos muito com Molote, que nos explicou sobre o que realmente aconteceu durante o período do Aparteid.


Até 1990 a discriminação racial era aprovada por lei que restringia os direitos da população negra até mesmo em relação aos locais a serem freqüentados como praias, bares e zonas habitacionais, ou seja, bar de branco, bar de negro, escola de branco, escola de negro, praia de banco, praia de negro.



Até hoje em muitos estabelecimentos há uma plaquinha na entrada dizendo que o local tem o direito de não permitir a entrada de pessoas indesejadas, que anteriormente se referiam aos negros. O que mais impressiona é que esse sistema de controle racista só deixou de ser oficial há pouco tempo e que a sociedade ainda vive seqüelas desse período.

Nos despedimos de Durban na casa da família da Cindy, nossa anfitriã, com um churrasco sul africano bem típico, carne assada acompanhada de pap uma polenta branca feita com maisena e que faz a base do prato como o nosso arroz aí no Brasil. Mas ainda tem um bom caminho pela frente, próximo post mais África selvagem.