Desde criança eu (Augusto) tinha uma idéia do Vietnã como mostrada nos clássicos filmes Apocalypse Now, Bom dia Vietnã e Rambo. Acontece que muita coisa mudou desde os tempos da guerra e aquela paisagem de rios estreitos cortando florestas densas não foi exatamente a que encontramos ao chegar lá. O que realmente vimos foram cidades relativamente grandes e bastante influenciadas pela tremenda velocidade que o turismo chegou. Parece que os vietnamitas não souberam assimilar tal impacto e hoje tudo gira em função do dinheiro.
Algo que acaba incomodando, ao ver nos olhos das pessoas as cifras brilharem quando você vai falar com elas e os preços sempre sendo super-inflacionados. De 2 anos para cá os valores referentes à estadia e alimentação simplesmente duplicaram em função da quantidade de dinheiro estrangeiro entrando nas zonas mais turísticas. Um imenso contraste com as fotos do falecido lider comunista Ho Chi Minh e as bandeiras vermelhas com a foice e o martelo presentes em cada esquina por todo o país.
Do Cambodia fomos para a antiga capital do Vietnã do Sul, Saigon ou Ho Chi Minh City. Logo de cara já ficamos atordoados com o trânsito mais louco que vimos até o momento. Milhares de motinhos circulando em todas as direções sem qualquer tipo de regra.
Os semámoforos e sinais de transito são meramente decorativos e contra-mão, simplesmente eles não aprenderam o que é. Atravessar a rua é uma verdadeira batalha, tem que ir se enfiando no meio do transito e andando devagarzinho, torcer para que os motoristas te vejam e não te atropelem.
Nos hospedamos na rua De Tham, que é como uma Khao San Road de Bangkok, cheia de restaurantes, bares, agências de turismo e lojas de conveniências para viajantes. Na rua também há várias barraquinhas de comidas e numa dessas matamos a vontade que tínhamos de experimentar os diversos tipos de conchinhas e caracóis cozidos, um prato bastante comum no sudeste asiático.
Aquele tipo de comida que sempre dá uma apreensão antes de comer, mas que depois que começa não quer mais que acabe. Muito bom.Por falar em comida, eu que tenho tentado ser firme no rango local, não me adaptei bem à dieta vietnamita. Em minha opinião, mesmo utilizando os mesmo ingredientes que os seus países vizinhos ela não é tão boa nem feita com tanto capricho. Várias vezes me rendi a um espaguete bolonhesa ou outros pratos ocidentalizados.
Na antiga capital fomos visitar o belo palácio presidencial transformado num museu e que é mantido do mesmo jeito de quando foi invadido pelas forças comunistas do Vietnã do Norte em 1973.
No museu dedicado à guerra “War Remnants Musem” tivemos uma idéia do outro lado da história da batalha envolvendo os EUA. Na exposição estão aviões, tanques, armas, jaulas onde eram presos os Viet Congs e uma série de fotos chocantes das vitimas da guerra.
Pessoas que sofreram tortura ou que foram atingidas pela dioxina Agente Laranja e tiveram seus corpos queimados e deformados. O pior é que os efeitos da contaminação não se restringiram às pessoas atingidas e foram passadas para as suas gerações futuras. Hoje é muito comum de se ver pessoas seqüeladas e com deformidades nas ruas da cidade e nas áreas rurais.
A uma hora de Ho Chi Minh City fica Cu Chi, região onde os vietnamitas construíram durante a guerra uma grande malha de armadilhas e túneis subterrâneos que eram usados como esconderijos e para trocar informações entre a cidade e as áreas de batalha. Dessa vez foi minha vez de ficar doente. No caminho comecei a sentir dores na barriga e ao chegarmos estava tão ruim que acabei indo direto para a enfermaria. No outro dia fiquei ainda pior, agonizando de dor e com febre. Sorte a minha de ter uma médica particular 24 horas por dia e depois de alguns cuidados especiais tudo ficou bem.
Resolvemos então pegar uma praia e rumamos para Nha Trang. Estávamos com saudade de ver o mar e desde a Austrália não havíamos pegado uma praia legal. A cidade é um dos principais balneários do Vietnã e possui um porto bastante movimentado. O que a gente não sabia até chegar lá era que Nha Trang possui um centro de estudos e museu oceanográficos, além de ser considerado o melhor pico de mergulho do país.
Não estava esperando grande coisa, mas ao cair na água acabei me impressionando. A água estava muito clara e o fundo um verdadeiro jardim de corais multicoloridos. Sinceramente achei o mergulho de lá melhor que o da Grande Barreira de Corais na Austrália, mais bonito e com maior diversidade.
Ao contrário do Brasil onde é bonito ter um corpo bronzeado, no Vietnã há um grande culto à brancura (amarelura) da pele. A maioria das mulheres passam o dia cobertas com máscaras, chapéus, blusas e luvas compridas para se protegerem do sol e nas propagandas de revistas e lojas sempre têm anúncios de vários produtos para manter a pele clara. O que não dá pra entender é como elas agüentam passar o dia inteiro com roupas de lã num calor de matar como estava fazendo.
Depois do Rajastão na Índia, o Vietnã foi o lugar mais quente que estivemos com temperatura em torno dos 40 °C e a umidade muito alta que nos dava a sensação de estarmos sempre melados.É na praia que se vê o grande contraste entre as turistas e as mulheres vietnamitas. Enquanto as estrangeiras usam biquínis, as locais andam todas cobertas com medo de pegar um bronze.
É cômico também ver muitas mulheres andando de pijamas no meio da rua, parece que se esqueceram de trocar de roupa antes de sair para o trabalho ou dar uma volta. Tem o pijama para dia e o para a noite, o mais engraçado é quando elas resolvem misturar os pijamas com as roupas pra se proteger do sol. A moda vietnamita é uma beleza.
Seguindo o litoral, um pouco mais ao norte está Hoi An. A cidade que no passado foi um importante centro comercial entre chineses, japoneses e europeus, conserva no estilo das principais construções a influência dessas diferentes culturas e hoje é considerada patrimônio histórico pela Unesco.
Quase todas as casas próximas ao rio possuem 2 andares, pois todos os anos, na época das chuvas, a região fica alagada e os moradores tem que mudar tudo para os andares de cima. Chegar em casa ou se locomover durante a estação chuvosa, só de barco. Para nós, foi a cidade mais legal do Vietnã.
Além do valor histórico, a cidade é famosa pelo grande número de alfaiatarias. Muitos dos turistas que visitam Hoi An não saem da cidade sem uma peça de roupa customizada. É só levar o desenho ou foto da roupa que você quer, tirar as medidas e no fim do dia passar na loja pra buscar. Tudo muito barato! A Aline pagou 16 dólares num casaco de veludo irado e um terno completo sai por cerca de 50 dólares.
A 40 minutos em direção à China Beach, vale a visita às Marble Mountains, um pequeno grupo de montanhas enfeitadas com cavernas e templos de onde se tem maravilhosas vistas de toda a região e da praia. Descobrimos também que eles são mais farofeiros que os brasileiros.
Em Cua Dai Beach, a praia mais próxima de Hoi An (5 km) as famílias e grupos de amigos estiram suas esteiras na areia e começam a abrir pacotes e pacotes de comidas. Mas quem não puder levar o rango de casa, um pouco mais afastado da água, os vendedores ambulantes fazem a alegria dos que querem matar a fome, servindo milho verde e a tradicional sopa de macarrão com vegetais.
De Hoi An fomos para Hué. A cidade foi um grande centro cultural, educacional e religioso que serviu como capital política do império Nguyen entre 1802 e 1945. Os grandes atrativos locais são o palácio imperial e as grandes tumbas dos imperadores. O palácio encontra-se em reconstrução devido aos intensos bombardeios americanos e mesmo estando aberto para visitação grande parte das estruturas ainda são ruínas.
Para ver as tumbas reais fizemos um passeio de barco que durou todo o dia e que acabou sendo meio entediante. Passamos em locais onde já havíamos ido de bicicleta no dia anterior e depois de termos conhecido a grandiosidade dos mausoléus indianos, chineses e japoneses as tumbas vietnamitas acabaram não parecendo grande coisa.
O que valeu a pena no passeio foi ter passado por algumas vilas e ver como são produzidos artesanalmente incensos e os típicos chapéus cônicos vietnamitas. Desde que chegamos ao Sudeste Asiático temos alugado muitas motocicletas. Sem dúvida é a maneira mais barata de se locomover dentro das cidades.
É preciso tomar cuidado extra no trânsito e ficar ligado nos marcadores de combustíveis e odômetros que podem vir com defeito. Em um de nossos passeios acabamos ficando sem gasolina no meio da estrada. Por incrível que pareça encontramos alguém disposto a nos ajudar. Infelizmente a impressão que a gente tinha dos vietnamitas até o momento era a que a fama já dizia, de serem pessoas que sabem como ser difíceis.
Ao chegamos à capital Hanói tivemos uma clara demonstração disso. A sensação era de que todo mundo queria se dar bem as nossas custas, informação na rua ninguém dá, a menos que se pague por ela. As pessoas em geral pareciam sedentas por dinheiro e chegou a um ponto em que não confiávamos em mais ninguém.
Nos dias em que estávamos em Hanói passeamos pela cidade e conhecemos o complexo onde está exposto o corpo embalsamado do Ho Chi Minh. Aproveitamos para conferir o jogo da seleção brasileira de futebol que estava lá a caminho da China. Com todos os ingressos esgotados acabamos ficando nas mãos dos cambistas. Ao chegarmos ao estádio a confusão estava armada e a galera pedindo preços absurdos por uma entrada.
A fissura pelo dinheiro era tão grande que um deles resolveu vender pelos dólares que tínhamos nas nossas mãos. Ele só não se ligou que vendeu o ingresso mais barato que o valor pago na bilheteria. É, mas esse barato saiu caro pra gente. Logo depois do jogo, no empurra empurra em uma parada de ônibus tivemos a câmera fotográfica roubada com todas as fotos do dia do jogo e de Halong Bay. Durante vários dias não consegui me livrar e remoer a indignação der ter sido roubado. Aquela péssima sensação de terem violado o meu espaço, retirado de mim um bem importante pra gente, nossa companheira de viagem.
Junto com a câmera, o sujeito levou aquilo que um viajante tem como umas das coisas mais importantes, suas fotos. Levou o registro de um dos lugares mais bonitos que já fomos, o ouro da nossa passagem pelo Vietnã. Halong Bay.é uma grande baía de águas calmas salpicada de ilhas que emergem do oceano como imensos paredões perfurados pela ação da água. Em uma das ilhas visitamos uma grande caverna com lindas formações e que estava escondida pela vegetação até 93.
Lá passamos dois dias e uma noite em um grande barco de madeira onde conhecemos pessoas legais e assistimos a um lindo por do sol no mar espelhado da baía. Esse passeio sim valeu a pena e apesar desse não ser o nosso registro, estamos colocando umas fotos tiradas da internet para o pessoal que está viajando com a gente experimentar um pouquinho desse lugar especial.
sexta-feira, 29 de agosto de 2008
segunda-feira, 18 de agosto de 2008
A história, as crianças e os dólares do Camboja
Imagina você chegar a um país, ir sacar dinheiro num caixa eletrônico e receber dólares. É meu amigo, você não está nos Estados Unidos e sim no Camboja. Um pequeno país asiático marcado por uma triste e recente história que ainda hoje circula na atmosfera do lugar. A história a qual me refiro é a do Pol Pot que durante os anos entre 1975 e 1979, na tentativa de implementar um sistema socialista (ou o que ele entendia por isso) o mais rápido possível acabou instalando o terror em um país inteiro.
Essa época ficou conhecida como Khmer Rouge, período em que morreram mais de dois milhões de pessoas. Hoje quem visita o Camboja, especialmente a capital Phnom Penh vê resquícios dos campos de concentração e de extermínio que agora são museus. Inclusive o Campo de Extermínio de Choeung Ek com a presença de mais de 8.000 crânios de pessoas executadas naquele lugar, onde o ritmo chegou a atingir 300 assassinatos ao dia.
A história desse tipo de coisa é mais ou menos sempre a mesma, começa com uma bela propaganda de um novo regime que necessita de voluntários em troca de um bom salário e a promessa de não passar mais dificuldades. Uma vez lá dentro quem não matar, torturar ou colaborar acaba morto. A fome tomou conta geral e é por isso que os cambojanos têm a fama de comer qualquer coisa. Porque num perrengue como o que eles passaram qualquer coisa que alimente é comida.
Vimos aranhas e insetos na mesa da galera direto, mas o prato preferido, aquele que não falta em nenhuma esquina é o grilo. Além disso, há minas de explosivos espalhadas por todo país desde aquela época, muitas das quais ainda não explodiram, então há diversos locais que não se pode passar nem perto.
Acontece que muitos só ficaram sabendo disso depois do pior.Nunca antes tínhamos visto tanta gente mutilada como no Camboja. São inúmeras pessoas sem braços, sem pernas e a grande maioria se arranja em grupos de música para tentar sobreviver. O país ainda não se recuperou e tem algumas áreas muito pobres.
Quem vai lembrar do Camboja com a Tailândia de um lado, tigre asiático onde o turismo cresce assustadoramente e o Vietnã do outro, a vítima dos Estados Unidos que foi seriamente prejudicado, mas recebeu e recebe bastante incentivo estrangeiro para se recuperar. É por essas e por outras que o país está nessa situação, e como se não bastasse a corrupção rola solta. Tivemos um bom exemplo disso quando a sentimos na pele nos nossos primeiros momentos de Camboja.
Queríamos deixar o Lao rumo a Siem Reap, a cidade onde fica o famoso Angkor Wat, uma das maiores construções religiosas do mundo. Só que a gente não estava a fim de ir com pacotinho, queríamos viajar como as pessoas locais e não numa van cheia de turistas. Nos amarramos, atravessamos o rio e quando chegamos em Ban Nakasang não havia mais ônibus naquele dia. Olhamos no relógio e ainda dava tempo de pegar a fronteira aberta se nos apressássemos, além do Lonely Planet dizer que uma vez lá o transporte para o Camboja era fácil.
Cada um contratou um moto boy e nos despedimos do Lao em grande estilo. Quando chegamos, quase 5 horas da tarde e percebemos que a fronteira eram somente duas aduanas no meio do nada, que o transporte fácil era um único táxi que queria nos cobrar 50 dólares até a cidade cambojana mais próxima, ficamos de cara. A gente já estava pensando em voltar, quem sabe acampar ali e esperar o primeiro ônibus no outro dia, até que veio o funcionário local com aquele papinho, se vocês me ajudarem eu posso ajudar vocês, querendo nos extorquir.
Bah, por essa a gente não esperava, o dia acabando e a gente ali sozinhos no meio do nada com neguinho querendo se dar bem às nossas custas. Ah, mas não deu outra. Começamos a fazer uma cena, dizendo que éramos brasileiros, que não tínhamos dólares, que tudo que a gente tinha era o restinho do dinheiro local. Não é que o cara acreditou mesmo e pagamos pra ele em kip o equivalente a 10 dólares (bem melhor que os cinqüenta pedidos inicialmente) para sair dali.
Passado o perrengue chegamos a Stung Treng, nossa primeira parada no Camboja, uma cidade onde quem está de passagem fica por uma noite. O lugar é uma bagunça, ruas enlamaçadas e em alguns momentos do dia parece que todo mundo sai para os arredores do mercado local, montado praticamente sobre sarjetas imundas. Pegamos um ônibus de manhã cedinho para Siem Reap, agora sim, e no final das contas gastamos com transporte exatamente os 26 dólares que teríamos gasto se tivéssemos saído direto de Si Phan Don. Mas aventura não tem preço, já dizia o Master Card.
Chegamos a Siem Reap tão cansados que decidimos esperar um dia antes de conhecer o complexo Angkor. Preferimos passear pela cidade primeiro e recuperar as energias para a maratona de templos que iríamos encarar.
Comemos uma pizza, tomamos uma cervejinha pra desestressar e acabamos indo dormir tarde. Lá pelas três e meia da manha logo depois de pegar no sono acordamos ao perceber que nós éramos a janta.
Já perdemos a conta de quantas camas diferentes experimentamos nessa viagem, sabíamos que existem uns bichinhos chamados bed bugs (tipo um carrapato que vive nas camas), porém nunca havíamos nos encontrado com eles. Ao acender a luz pegamos vários no flagrante, alguns bem gordinhos com o nosso sangue. Ah, ninguém merece, principalmente porque a picada dói e fica uma baita marca depois. Função no meio da madrugada, mudamos para um quarto melhor e pelo mesmo preço do anterior.
O Preto deitou e capotou, eu (Aline) ainda estava meio tensa, não dormi, fechei os olhos e fiquei treinando as técnicas de meditação que aprendi na Tailândia. O dia já estava amanhecendo quando senti algo caminhando em cima de mim. Ahhhhhhhhhhhh!!!!!!! Dei um grito tão alto que acho que acordei a vizinhança inteira. Ainda tive que atirar ela longe, a barata alienígena de uns 10 cm de comprimento que estava me atacando e que o Preto insiste em dizer que era apenas uma barata normal.
Uma nova manhã começa, zera tudo, esquece corruptos e insetos pestilentos que a ocasião merece. É chegado o dia de conhecer os templos de Angkor. Para quem não tem nem idéia do que se trata é um impressionante complexo de templos hinduístas e ruínas do que foi um dos maiores impérios do Sudeste Asiático. A maioria do Período Ancoriano do império Khmer, entre 802 e 1432 DC. Algumas construções resistiram às guerras e invasões, mas não ao tempo e a natureza.
O que faz a beleza do lugar são as árvores enormes que nasceram dentro dos prédios e por acaso deram origem à uma arquitetura única e muito especial. Quem visita as ruínas de Angkor conhece o Camboja de ontem e de hoje.
É impossível não perceber a quantidade de crianças que ficam dentro do complexo pedindo ou trabalhando como vendedores de suvenires. São tantas que chega a dar um aperto no coração. Elas se aproximam e parecem uns robozinhos, falando “one dollar, money”. Não há nada que se fale, não há palhaçada que se faça que tire delas um sorriso.
Não só lá, o país inteiro está tomado de crianças nas ruas nessa situação. A gente se solidarizou e mesmo com o tempo contado escrevemos para uma organização de trabalho voluntário.
Infelizmente nosso e-mail voltou e tivemos que seguir, mas com certeza é algo que ficou marcado. Por isso estamos dividindo aqui com vocês, se tem alguém que pensa em fazer uma viagem com o propósito de voluntariar, na Ásia o Camboja é o lugar. Deixamos Siem Reap e nos dirigimos a Phnom Penh, a capital. Nos hospedamos na Number 9 Guest House, uma pousadinha flutuante bem simples e aconchegante na beira do lago. Um dos pores do sol mais memoráveis da nossa jornada.
Na cidade transporte público é motocicleta. Cena normal é ver quatro pessoas em cima de uma moto, mas não foram poucas vezes que vimos seis. Como a gente gosta de viver como os locais, tratamos de nos adaptar, já diz o ditado, se não pode vencê-los junte-se a eles. E nós também aderimos às motinhas. A final nosso próximo destino é o Vietnã, pelo que ouvimos falar a capital mundial do trânsito caótico então tivemos que nos preparar, mas por enquanto duas cabeças por moto é o suficiente.
Essa época ficou conhecida como Khmer Rouge, período em que morreram mais de dois milhões de pessoas. Hoje quem visita o Camboja, especialmente a capital Phnom Penh vê resquícios dos campos de concentração e de extermínio que agora são museus. Inclusive o Campo de Extermínio de Choeung Ek com a presença de mais de 8.000 crânios de pessoas executadas naquele lugar, onde o ritmo chegou a atingir 300 assassinatos ao dia.
A história desse tipo de coisa é mais ou menos sempre a mesma, começa com uma bela propaganda de um novo regime que necessita de voluntários em troca de um bom salário e a promessa de não passar mais dificuldades. Uma vez lá dentro quem não matar, torturar ou colaborar acaba morto. A fome tomou conta geral e é por isso que os cambojanos têm a fama de comer qualquer coisa. Porque num perrengue como o que eles passaram qualquer coisa que alimente é comida.
Vimos aranhas e insetos na mesa da galera direto, mas o prato preferido, aquele que não falta em nenhuma esquina é o grilo. Além disso, há minas de explosivos espalhadas por todo país desde aquela época, muitas das quais ainda não explodiram, então há diversos locais que não se pode passar nem perto.
Acontece que muitos só ficaram sabendo disso depois do pior.Nunca antes tínhamos visto tanta gente mutilada como no Camboja. São inúmeras pessoas sem braços, sem pernas e a grande maioria se arranja em grupos de música para tentar sobreviver. O país ainda não se recuperou e tem algumas áreas muito pobres.
Quem vai lembrar do Camboja com a Tailândia de um lado, tigre asiático onde o turismo cresce assustadoramente e o Vietnã do outro, a vítima dos Estados Unidos que foi seriamente prejudicado, mas recebeu e recebe bastante incentivo estrangeiro para se recuperar. É por essas e por outras que o país está nessa situação, e como se não bastasse a corrupção rola solta. Tivemos um bom exemplo disso quando a sentimos na pele nos nossos primeiros momentos de Camboja.
Queríamos deixar o Lao rumo a Siem Reap, a cidade onde fica o famoso Angkor Wat, uma das maiores construções religiosas do mundo. Só que a gente não estava a fim de ir com pacotinho, queríamos viajar como as pessoas locais e não numa van cheia de turistas. Nos amarramos, atravessamos o rio e quando chegamos em Ban Nakasang não havia mais ônibus naquele dia. Olhamos no relógio e ainda dava tempo de pegar a fronteira aberta se nos apressássemos, além do Lonely Planet dizer que uma vez lá o transporte para o Camboja era fácil.
Cada um contratou um moto boy e nos despedimos do Lao em grande estilo. Quando chegamos, quase 5 horas da tarde e percebemos que a fronteira eram somente duas aduanas no meio do nada, que o transporte fácil era um único táxi que queria nos cobrar 50 dólares até a cidade cambojana mais próxima, ficamos de cara. A gente já estava pensando em voltar, quem sabe acampar ali e esperar o primeiro ônibus no outro dia, até que veio o funcionário local com aquele papinho, se vocês me ajudarem eu posso ajudar vocês, querendo nos extorquir.
Bah, por essa a gente não esperava, o dia acabando e a gente ali sozinhos no meio do nada com neguinho querendo se dar bem às nossas custas. Ah, mas não deu outra. Começamos a fazer uma cena, dizendo que éramos brasileiros, que não tínhamos dólares, que tudo que a gente tinha era o restinho do dinheiro local. Não é que o cara acreditou mesmo e pagamos pra ele em kip o equivalente a 10 dólares (bem melhor que os cinqüenta pedidos inicialmente) para sair dali.
Passado o perrengue chegamos a Stung Treng, nossa primeira parada no Camboja, uma cidade onde quem está de passagem fica por uma noite. O lugar é uma bagunça, ruas enlamaçadas e em alguns momentos do dia parece que todo mundo sai para os arredores do mercado local, montado praticamente sobre sarjetas imundas. Pegamos um ônibus de manhã cedinho para Siem Reap, agora sim, e no final das contas gastamos com transporte exatamente os 26 dólares que teríamos gasto se tivéssemos saído direto de Si Phan Don. Mas aventura não tem preço, já dizia o Master Card.
Chegamos a Siem Reap tão cansados que decidimos esperar um dia antes de conhecer o complexo Angkor. Preferimos passear pela cidade primeiro e recuperar as energias para a maratona de templos que iríamos encarar.
Comemos uma pizza, tomamos uma cervejinha pra desestressar e acabamos indo dormir tarde. Lá pelas três e meia da manha logo depois de pegar no sono acordamos ao perceber que nós éramos a janta.
Já perdemos a conta de quantas camas diferentes experimentamos nessa viagem, sabíamos que existem uns bichinhos chamados bed bugs (tipo um carrapato que vive nas camas), porém nunca havíamos nos encontrado com eles. Ao acender a luz pegamos vários no flagrante, alguns bem gordinhos com o nosso sangue. Ah, ninguém merece, principalmente porque a picada dói e fica uma baita marca depois. Função no meio da madrugada, mudamos para um quarto melhor e pelo mesmo preço do anterior.
O Preto deitou e capotou, eu (Aline) ainda estava meio tensa, não dormi, fechei os olhos e fiquei treinando as técnicas de meditação que aprendi na Tailândia. O dia já estava amanhecendo quando senti algo caminhando em cima de mim. Ahhhhhhhhhhhh!!!!!!! Dei um grito tão alto que acho que acordei a vizinhança inteira. Ainda tive que atirar ela longe, a barata alienígena de uns 10 cm de comprimento que estava me atacando e que o Preto insiste em dizer que era apenas uma barata normal.
Uma nova manhã começa, zera tudo, esquece corruptos e insetos pestilentos que a ocasião merece. É chegado o dia de conhecer os templos de Angkor. Para quem não tem nem idéia do que se trata é um impressionante complexo de templos hinduístas e ruínas do que foi um dos maiores impérios do Sudeste Asiático. A maioria do Período Ancoriano do império Khmer, entre 802 e 1432 DC. Algumas construções resistiram às guerras e invasões, mas não ao tempo e a natureza.
O que faz a beleza do lugar são as árvores enormes que nasceram dentro dos prédios e por acaso deram origem à uma arquitetura única e muito especial. Quem visita as ruínas de Angkor conhece o Camboja de ontem e de hoje.
É impossível não perceber a quantidade de crianças que ficam dentro do complexo pedindo ou trabalhando como vendedores de suvenires. São tantas que chega a dar um aperto no coração. Elas se aproximam e parecem uns robozinhos, falando “one dollar, money”. Não há nada que se fale, não há palhaçada que se faça que tire delas um sorriso.
Não só lá, o país inteiro está tomado de crianças nas ruas nessa situação. A gente se solidarizou e mesmo com o tempo contado escrevemos para uma organização de trabalho voluntário.
Infelizmente nosso e-mail voltou e tivemos que seguir, mas com certeza é algo que ficou marcado. Por isso estamos dividindo aqui com vocês, se tem alguém que pensa em fazer uma viagem com o propósito de voluntariar, na Ásia o Camboja é o lugar. Deixamos Siem Reap e nos dirigimos a Phnom Penh, a capital. Nos hospedamos na Number 9 Guest House, uma pousadinha flutuante bem simples e aconchegante na beira do lago. Um dos pores do sol mais memoráveis da nossa jornada.
Na cidade transporte público é motocicleta. Cena normal é ver quatro pessoas em cima de uma moto, mas não foram poucas vezes que vimos seis. Como a gente gosta de viver como os locais, tratamos de nos adaptar, já diz o ditado, se não pode vencê-los junte-se a eles. E nós também aderimos às motinhas. A final nosso próximo destino é o Vietnã, pelo que ouvimos falar a capital mundial do trânsito caótico então tivemos que nos preparar, mas por enquanto duas cabeças por moto é o suficiente.
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